TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
407 acórdão n.º 366/14 desconsidere a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 6.ª – A interpretação do n.º 2 do artigo 387.º do CT propugnada no processo sub judice é violadora do princípio fundamental consagrado no artigo 13.º da CRP e reafirmado no artigo 59.º do mesmo diploma funda- mental, ao beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cesse por motivo diferente do despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, comunicado por escrito ao respetivo trabalhador destinatário. 7.ª – Também imperativos de congruência interna do ordenamento jurídico impõem igual raciocínio, uma vez que, se por via da norma contida no n.º 1 do artigo 337.º do CT se disciplina substantivamente que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho”; é forçoso que se subordine o pro- cessualismo contido na lei adjetiva aquela disciplina material, arredando limitações de caráter formal cuja utilidade se reconduz a uma natureza de mera instrumentalidade à aplicação daquele direito e da realização da Justiça e não o inverso. 8.ª – Enquanto a prescrição atinge o âmago do direito; a caducidade reconduz-se à sua exercitação; não podendo, no entanto, deixar de se reconhecer a prescrição como o instituto regra em matéria de eficácia do decurso do tempo nas relações jurídicas, por aplicação do princípio consagrado no artigo 298.º do C.Civil. 9.ª – Encontrando-se fixado no artigo 337.º, n.º 1 do CT que o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve no prazo de um ano contado a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho, não pode derrogar-se tal norma por simples apelo a argumentos de rápida definição da situação jurídica, argumento, aliás inconciliável com a própria natureza dos direitos em causa. 10.ª – A harmonização do sistema jurídico impõe tal exercício de compatibilização normativa e interpretativa, com assumida relevância em matérias de redobrado significado social, como é o caso das matérias laborais. 11.ª – Segundo os ensinamentos do Insigne Mestre José Oliveira Ascensão, em O Direito – Introdução e Teoria Geral , 2.ª edição, p. 342, na interpretação da lei devem considerar-se o elemento gramatical ou literal e os elemen- tos lógicos: o sistemático (que tem em conta a unidade do sistema jurídico); o histórico (constituído por preceden- tes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis ) e o teleológico (que é a justificação social da lei); relevando ainda o facto de, na dúvida, os direitos deverem prevalecer sobre as restrições — in dubio pro libertate . – Cfr. Jorge Miranda, in Manual do Direito Constitucional , 4.º, 308; 12.ª – Se a letra da lei é o limite da sua interpretação, é inquestionável que dela emerge uma função negativa de delimitação e eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou correspondência nas palavras da lei. 13.ª – A posição sufragada na decisão ora posta em crise viola frontalmente o preceituado no artigo 387.º do CT, concretamente, quanto à interpretação que faz da expressão contida no n.º 2 de tal norma na parte em que dis- põe que o trabalhador “pode opor-se ao despedimento”, no sentido de que, querendo impugnar o despedimento que lhe fora comunicado por escrito, o trabalhador só poderia lançar mão de uma ação especial e não da ação de processo comum. 14.ª – A questão a colocar situa-se em sede de interpretação da norma, mais concretamente quanto ao seg- mento “pode opor-se ao despedimento”, o qual se impõe seja no sentido de ser lícito ao A., querendo, fazer uso da ação de processo comum, como aconteceu in casu , de que decorre impor ao Tribunal de primeira instância que, em substituição da decisão proferida, profira outra, de indeferimento de arguição de erro na forma de processo e consequente prosseguimento dos autos. 15.ª – Entendendo-se, como se entende e pelas razões vindas de expor, que a forma de processo especial estabelecida nos artigos 98.º-B e segs. do CP Trabalho não é obrigatória, então é consequência lógica que o prazo estipulado no n.º 2 do artigo 387.º do CT não é um prazo de caducidade. 16.ª – Sendo lícito ao trabalhador optar pela propositura da ação sob a forma comum no prazo previsto no artigo 337.º, n.º 1 do CT, então o prazo de 60 dias não pode produzir os efeitos apontados, designadamente o da caducidade.
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