TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
397 acórdão n.º 572/14 2. Em primeiro lugar, a razão de ser expressamente indicada para a reconfiguração da CES operada pela Lei n.º 23/2014 pelo respetivo proponente – e como tal aceite no Acórdão – encontra-se em linha com a estrutura da relação tributária constituída na sequência da aplicação de tal medida: o respetivo fim imediato é assegurar o cumprimento das metas orçamentais definidas para o ano de 2014 (cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 193/XII). Concretamente, «a nova configuração da CES» resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2014 destina-se a compensar o impacto líquido orçamental negativo de 395 M € causado pela inviabili- zação da convergência de pensões decorrente do Acórdão n.º 862/13. Como se explica no Acórdão, «a falha de previsão orçamental da CGA, IP, decorrente da feitura de normas inconstitucionais, tinha que ser compensada com transferência de verbas do Orçamento do Estado ou com contribuições dos atuais beneficiários do sistema de segurança social. A opção tomada para compensar tal impacto foi aumentar a comparticipação financeira do Orçamento do estado em 220 M € , alargar a base de incidência da CES e aumentar a taxa efetiva da CES nas pensões mais altas, com uma receita estimada em 174 M € . [(…) Assim,] o fim imediato da medida é o reequilíbrio financeiro do orçamento de 2014» (cfr. o n.º 21; vide também o n.º 9). Porém, o que é reconhecido agora, já era evidente em relação à configuração originária da CES, atenta a estrutura da relação tributária a que a mesma dava – e continua a dar – lugar. Como referido, a CES cor- responde a uma medida de consolidação orçamental pelo lado da receita, visando substituir, ao menos em parte, o montante das transferências do Orçamento do Estado destinadas ao financiamento do IGFSS, IP, e da CGA, IP, por prestações pecuniárias dos pensionistas em função da respetiva capacidade contributiva. O resultado é uma tributação agravada desses pensionistas para alívio da generalidade dos contribuintes. A lógica da CES é, assim, exclusivamente orçamental e cega à diversidade de situações que justificam o valor percebido a título de pensão sobre o qual vai incidir (por exemplo, a longevidade e densidade das carreiras contributivas no âmbito dos regimes previdenciais e a eventual consideração no somatório das pensões a tributar de pensões pagas ao abrigo de regimes complementares). 3. Um segundo aspeto a relevar é a progressiva – e perplexizante – transfiguração do caráter extraordi- nário e transitório do “tipo tributário CES” – uma contribuição obrigatória para certos regimes de proteção social incidente sobre os respetivos beneficiários atuais e sobre beneficiários atuais de outros regimes de pro- teção social – numa medida de natureza estrutural e duradoura. Tal mutação era já indiciada pelas sucessivas renovações anuais, e veio a ser confirmada, na sequência da opção estratégica assumida no quadro do Docu- mento de Estratégia Orçamental 2014-2018, na Proposta de Lei n.º 236/XII (contribuição de sustentabili- dade), entretanto já aprovada (cfr. o Decreto n.º 262/XII). A esta luz, não pode, sem mais, desconsiderar-se a referência da CES como medida «antecipadora de outras reformas duradouras» feita na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 193/XII. Com efeito, em tal perspetiva, a CES (também) prefigura necessariamente uma modificação da fórmula legal final de cálculo das pensões a processar e, por via da diminuição da taxa de substituição de rendimentos perdidos em razão de determinadas eventualidades, redunda numa redução permanente do valor nominal de pensões já atribuídas, já que o valor dessa contribuição é deduzido automaticamente – e agora de modo permanente – ao valor da pensão legalmente fixado. O concreto interesse público prosseguido já não é, de acordo com esta nova perspetiva, nem apenas nem sobretudo a resolução de um problema urgente, pontual e transitório – como o interesse em garantir, reagindo a factos ocorridos já na fase de execução do Orçamento, a consecução de metas orçamentais pré- -definidas em termos quantitativos (a «intervenção corretiva urgente») –; mas antes a solução de um pro- blema estrutural, insolúvel num único momento – como o interesse de reformar os sistemas previdenciais públicos da segurança social em ordem a assegurar a respetiva autossustentabilidade num horizonte razoável (“a” ou “uma” reforma estrutural do sistema de pensões). E, por ser assim, este segundo interesse haveria de ser analisado para efeitos de uma mais completa e aprofundada compreensão do significado e alcance da medida legislativa em apreço e não deveria ser omitido na ponderação com o interesse na conservação da
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