TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Invocando a circunstância do Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 826/13, se ter pronun- ciado pela inconstitucionalidade de um conjunto de normas que procedia a uma redução do valor das pen- sões pagas pela Caixa Geral de Aposentações e a necessidade de aprovar medidas com igual reflexo nas contas do Estado, veio o Governo propor uma “recalibragem” da CES, que se traduziu num alargamento da sua base de incidência, passando a abranger as pensões entre € 1000 e € 1350 ilíquidos e num aumento da taxa efetiva para as pensões mais elevadas, o que foi aprovado pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março. Apesar de na Exposição de Motivos daquela Proposta de Lei se qualificar a medida como “complemen- tar das reformas estruturais em curso” e “antecipadora de outras reformas duradouras no sentido de proteger os interesses públicos da sustentabilidade do sistema público de pensões”, a sua vigência limitada ao resto do ano em curso e as circunstâncias em que foi aprovada revelam bem a sua natureza excecional de simples resposta a uma situação de emergência financeira, como, aliás reconhece a mesma declaração de motivos quando refere que “em face desta decisão do Tribunal Constitucional, tendo em conta o nível incomportável de despesa pública atualmente suportado pelo Estado com o sistema público de pensões, o Governo foi for- çado a aprovar um conjunto de medidas substitutivas tendentes a cumprir os objetivos e as metas de natureza orçamental a que nos encontramos vinculados, nos termos do PAEF”. Mas note-se que esta medida foi adotada numa fase terminal do referido PAEF, quando apenas já estava em causa o acesso à última parcela do empréstimo, cuja efetivação estava condicionado pelo cumprimento daquele plano e cujo recebimento acabou, aliás, por se prescindir, sendo certo que, segundo os mais recentes dados do Conselho de Finanças Públicas, a aplicação de tal medida terá como resultado para as contas do Estado uma receita líquida de apenas 57 milhões de euros. Ora, com o alargamento da base de incidência, a CES passou a afetar um conjunto de cidadãos que integra um universo em que a exiguidade dos rendimentos já impõe tais provações que a exigência de um sacrifício adicional deste tipo é consideravelmente gravosa para a situação económica dos afetados, uma vez que estes não têm a possibilidade de optar por planos de vida alternativos, tendo em conta a sua idade. Não pode deixar-se de tomar também em consideração que estes cidadãos já foram afetados durante a crise económica por outras medidas, como o apelidado “brutal aumento de impostos”, que diminuíram substancialmente a sua “pensão líquida”, pelo que os valores que auferem são bem inferiores aos referidos 1000 a 1350 euros, e de que medidas equivalentes, como o corte dos salários dos funcionários públicos, só não têm merecido censura constitucional quando aplicados a salários superiores a € 1500. Perante estes dados, não só o apontado sacrifício àquele conjunto de cidadãos se assume como particu- larmente excessivo, face à diminuta valia dos benefícios obtidos, como até, num juízo de franca evidência, tal medida se revela desnecessária, atenta a multiplicidade de alternativas, nos domínios da poupança de despe- sas ou do arrecadar de receitas, que se encontravam ao dispor do legislador, para alcançar igual resultado nas contas do Estado, sem imposição de danos a este universo de pensionistas. Um Estado de direito democrático, cujo modelo se encontra consagrado no artigo 2.º da Constitui- ção, mesmo em tempos de grave crise financeira, ou melhor, sobretudo nesses tempos, está obrigado a não recorrer a medidas que se revelem desproporcionadas, pelo que me pronunciei pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março. – João Cura Mariano. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto à alínea a) da Decisão e ao juízo, nela contido, de não inconstitucionalidade relativa- mente às normas da alínea a) do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 76.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2014), na redacção que lhes foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2014, de 14 de março, pelos fundamentos constantes da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 187/13, de 5 de abril.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=