TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

39 acórdão n.º 574/14 Discordo do presente Acórdão quando sustenta que as legítimas expetativas de uma melhoria da situa- ção remuneratória não implicam, necessariamente, que essas expetativas exijam um regresso aos níveis sala- riais de 2010, logo em 2014 (nem mesmo em 2015). O decurso do tempo fez com que a excecionalidade e a transitoriedade das reduções remuneratórias, que sustentaram um juízo de não inconstitucionalidade quanto às normas que as impuseram em 2010, deixassem de poder ser invocadas. Como anteriormente escrevi, o período entretanto decorrido impõe um acréscimo de exigência no sen- tido de serem encontradas alternativas (conformes à Constituição) que evitem o prolongamento da medida. No caso, a previsão das normas agora em apreciação duplicaria o tempo de esforço, pelo que os (mesmos) visados acumulariam sacrifícios ao longo de 4 anos mais, num total de 8 anos! Encontra-se, por isso, há muito ultrapassado o limite do sacrifício admissível, verificando-se a inexistência de justificação suficiente para manter a assimetria a que são sujeitos os titulares destes rendimentos, por um lado, mas a redução remu- neratória a que a decisão se refere falha também, independentemente da assimetria, em si mesma, o teste da proporcionalidade. Note-se que, como se afirmou em Declaração de Voto ao Acórdão n.º 187/13, e como reconhece o presente Acórdão, o prejuízo sofrido por estes destinatários ao longo do tempo não se limitou a reduções remuneratórias reiteradas: sofreram, entre outras medidas, a supressão efetiva do subsídio de férias e de Natal em 2012; foram afetados pelo aumento do horário de trabalho para 40 horas; pela redução adicional na compensação sobre o valor do pagamento do trabalho extraordinário; pela alteração das regras das ajudas de custo nas deslocações em serviço; pela proibição de valorizações remuneratórias decorrentes de promoções ou progressões; pelo aumento da carga de trabalho decorrente da redução de efetivos e limites à contratação; pelo aumento da contribuição para a ADSE; pelo agravamento fiscal que atingiu todos os trabalhadores (reduções de escalões de IRS, aumento das taxas; imposição de uma sobretaxa de 3,5% no IRS; redução de deduções à coleta …). Os destinatários das normas são agora sujeitos a um esforço adicional prolongadíssimo, que se acentua se também tivermos em consideração o esforço já acumulado ( i. e. , a acumulação da ablação de rendimentos sofrida ao longo dos anos e outras medidas sacrificiais decretadas). Não se ignora que, findo o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), Portugal se encon- tra, de novo, sujeito a um procedimento de défice excessivo (artigo 126.º do TFUE) e obrigado por metas – como a de redução do défice –, em virtude de vinculações decorrentes, nomeadamente, do Direito da União Europeia e do Tratado Orçamental. Mas, tal procedimento – aberto, em 2009 pela UE, a Portugal (mas, então, também à Alemanha, Áus- tria, Bélgica, Eslováquia, Eslovénia, Itália, Países Baixos, República Checa) – foi imposto para cumprimento de objetivos que são, ainda assim, menos exigentes do que os definidos pelo PAEF a que Portugal veio a estar sujeito até maio de 2014 (e que, enquanto durou, fez suspender a vigência do mencionado procedimento). Apesar da existência de metas, as várias vinculações que atualmente obrigam Portugal não impõem a adoção desta ou daquela medida em concreto para sua realização, i. e. , não obrigam a que as metas sejam atingidas mediante redução remuneratória dos que recebem por verbas públicas. E, sobretudo, hoje, – como antes, durante a vigência do PAEF – tais vinculações não põem o legislador, na definição das medidas concretizadoras de tais objetivos, a salvo do escrutínio de constitucionalidade a realizar pelo Tribunal Constitucional. Escrutínio que, em matéria de direitos fundamentais, deve ser especialmente rigoroso. Mesmo admi- tindo a possibilidade de afetação do direito à remuneração – aqui, no seu quantum –, o legislador sempre teria de apresentar uma justificação especialmente robusta – que, como já antes escrevi, invocou em 2010 (condições excecionais e extremamente adversas; medidas seriam indispensáveis ao reequilíbrio das contas públicas e apresentavam-se como mais eficazes do que outras, sendo o modo mais certo e rápido de obtenção da verba imediatamente necessária), e de respeitar os princípios constitucionais estruturantes.

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