TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pré-definido por uma situação conjuntural de excecionalidade, num contexto de emergência económica e financeira, suscita fundadas interrogações quanto à sua transitoriedade. A regra da anualidade, que o caráter orçamental e o próprio teor da previsão normativa impõem, não contraria, só por si, a perduração indefinida da medida, exigindo apenas a sua renovação anual. E há que reconhecer que a reiteração da medida não pode deixar de atenuar o caráter transitório e temporalmente limitado com que foi avaliada anteriormente. Suscita-se, assim, em relação à CES, a mesma dúvida que no Acórdão n.º 413/14 se levantou em relação às reduções remuneratórias dos trabalhadores em funções públicas, quanto a saber se é possível manter o mesmo juízo de transitoriedade anteriormente emitido. Pode perguntar-se se a “componente inovatória” da fundamentação da medida, que levou o Governo a assumi-la também como “uma medida complementar às reformas estruturais já em curso” e “antecipadora de outras reformas duradouras no sentido de proteger os interesses públicos da sustentabilidade do sistema público de pensões”, tem o alcance de obstar à configura- ção da CES como uma medida extraordinária, de resposta à atual conjuntura económico-financeira. A resposta deve ser, porém, negativa. Efetivamente, apesar do proponente da medida ter dado indicações de que a CES pode servir de embrião a medidas enquadradas no âmbito de uma futura reforma sistémica ou estrutural do sistema público de pen- sões, a verdade é que esse objetivo mais alargado não é impeditivo de que a contribuição possa ser assumida, prima facie , como uma “medida transitória e ancorada às condicionantes financeiras em que o País está inserido”. É que esta proclamada natureza encontra tradução normativa imediata na fixação de um prazo de vigência que não ultrapassa o ano orçamental. Ora, no quadro estrito de um processo de fiscalização de cons- titucionalidade, não pode deixar de entender-se que é com base nos elementos fornecidos pela conformação normativa da medida a apreciar, e não através de juízos de prognose quanto ao desenvolvimento futuro, por bem fundados que eles se apresentem, que deve ser emitida uma pronúncia quanto à sua vigência temporal. A circunstância da CES também refletir a situação de insustentabilidade financeira do sistema de segu- rança social e de ter virtualidade para ulteriormente ser convertida em fator de sustentabilidade, fora de um quadro económico-financeiro de crise como o que se vive, não lhe retira a natureza de medida extraordinária e transitória, consagrada em norma orçamental, e por conseguinte sujeita à regra da anualidade orçamental (cfr. n.º 1 do artigo 106.º da CRP). Quer a Exposição de Motivos da Proposta de lei que esteve na origem da Lei n.º 13/2014, quer a Nota Explicativa do Governo, junta aos autos, são bem explícitas no sentido de que a CES para 2014, incluindo a reconfiguração ditada pelas normas impugnadas, continua a ter o propósito que guiou a sua criação: acorrer a uma situação excecional de emergência financeira, que exige o reforço do financiamento do sistema de pensões, o qual não pode ser realizado apenas com transferências do Orçamento do Estado. Sobre a questão da temporalidade da CES, o autor da Proposta de lei, na referida Nota Explicativa diz o seguinte: «Evidentemente, a solução agora encontrada visa responder a um quadro de excecionalidade económico-financeira e tem uma natureza comprovadamente transitória, uma vez que, para além de estar inscrita numa Lei de vigência anual, o Governo já anunciou a sua substituição por uma medida de caráter estrutural. Na verdade, prevê-se no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, apresentado em abril de 2014, que a CES será substituída, a partir de 2015, por “uma medida duradoura dirigida ao sistema geral de pensões, respeitando as orientações avançadas pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão de 19 de dezembro de 2013». Assim sendo, não pode deixar de se reconhecer que, na forma segundo a qual se encontra normativa- mente concretizada – isto é, enquanto medida de natureza orçamental destinada a vigorar durante o ano de 2014 – a CES assume, efetivamente, um caráter excecional e transitório, diretamente relacionado com os objetivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das finanças públicas que o legislador afirma querer prosseguir. Por isso, é sobre a CES, em si mesma, tal como normativamente configurada, pela sua natureza própria, sem levar em conta a natureza diferente de eventuais posteriores medidas funcionalmente substitutivas, que deve recair o juízo quanto à temporalidade.
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