TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
353 acórdão n.º 572/14 a convergência dos sistemas de pensões, através do alargamento da incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). 2. Efetivamente, a exposição de motivos da referida iniciativa legislativa sublinha expressamente que a sua aprovação decorre dos efeitos na programação orçamental para 2014 da decisão do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 862/13, em que se pronunciou pela inconstitucionalidade de um conjunto de normas destinadas a estabelecer mecanismos de convergência da proteção social. 3. Importa, pois, atenta a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, aferir se as altera- ções introduzidas se afiguram conformes ao texto da Lei Fundamental ou se o seu novo âmbito de aplicação e fun- damentação colocam em xeque a subsistência do instituto, tal qual analisado pelo Tribunal no Acórdão n.º 187/13. 4. Nessa ocasião, o Tribunal Constitucional estabeleceu que um contexto excecional de emergência económica e financeira pode sustentar determinadas medidas de caráter transitório, que convoquem os beneficiários do sis- tema previdencial, com pensões já a pagamento, a suportar contribuições adicionais. O Tribunal foi, no entanto, claro ao sublinhar que o juízo de não inconstitucionalidade da medida assentava em dois pressupostos fundamentais: o seu caráter não permanente e o facto de a medida se não revelar excessiva, uma vez que salvaguardava a sua não aplicabilidade a rendimentos inferiores a € 1350. Cumprirá, pois, em espe- cial, analisar a revisão encetada da referida Contribuição Extraordinária de Solidariedade à luz deste parâmetro interpretativo. 5. No que concerne ao caráter extraordinário e transitório da medida, elementos identificados, conforme referido, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como indispensáveis à conformidade constitucional da medida, é a própria fundamentação patente na exposição de motivos da iniciativa legislativa que permite chegar a conclusão inversa. 6. Para lá da conjuntura económico-financeira que justifica a medida, o Governo expressamente acrescenta que a medida reflete “a situação de insustentabilidade do sistema de segurança social”, quer num plano de complemen- taridade às reformas em curso, quer “como antecipadora de outras reformas duradouras”, confessando o seu caráter apenas aparentemente transitório. Trata-se, aliás, nesse sentido, de um resultado que acaba por se revelar ainda menos conforme à necessidade de uma revisão global do sistema apontada pelo Tribunal Constitucional como indispensável a uma formulação conforme à Constituição. 7. Noutra passagem da Exposição de Motivos, o legislador é igualmente claro quanto ao caráter estrutural e não pontual da CES, ao assumir que “esta constitui ainda uma medida de ajustamento destinada a responder à significativa erosão dos pressupostos económicos, financeiros e demográficos que o sistema de segurança social tem sofrido, com riscos profundos para a sustentabilidade de todo o sistema. Esses pressupostos abrangem, designada- mente, o aumento da esperança média de vida, o crescimento económico, a situação do mercado laboral interno”. Perante esta fundamentação, torna-se patente que os riscos que se procuram corrigir não são mera decorrência de uma situação pontual de dificuldade orçamental provocada por uma conjuntura adversa, antes traduzindo uma opção política com caráter reformador e permanente por parte dos autores da medida. 8. A intervenção ablativa das pensões a pagamento e que se constituíram à luz da lei vigente no momento em que decorriam as respetivas carreiras contributivas, ainda que através da imposição da referida Contribuição Extraordinária de Solidariedade, configura uma medida que, na ausência de fundamentação constitucionalmente suficiente, na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional, se afigura suscetível de ferir gravemente a con- fiança no Estado de direito. Efetivamente, apesar de operar através de um tributo parafiscal, o resultado produzido é em todo equivalente ao não cumprimento dos compromissos estabelecidos pelo Estado, no quadro do sistema de proteção social em causa, constitucionalmente tutelado por via do artigo 63.º da Lei Fundamental, quebrando o sinalagma existente perante os beneficiários. 9. Os beneficiários são acrescidamente colocados numa situação de especial fragilidade, uma vez que não podem, na fase da vida em que se encontram, reprogramar a sua gestão financeira para fazer frente às necessidades da sua etapa de vida não ativa profissionalmente.
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