TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
345 acórdão n.º 538/14 Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de denegação da justiça. Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser (…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica». Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o imperativo de uma justiça gratuita. O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados. E tal igualdade pode assegurar-se por dife- rentes vias, que variarão consoante o condicionalismo jurídico-económico definido para o acesso aos tribunais. Entre os meios tradicionalmente dispostos em ordem a atingir esse objetivo conta-se, como é sabido, o instituto de assistência judiciária, mas, ao lado deste, outros institutos podem apontar-se ou vir a ser reconhecidos por lei. Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais, puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o seu direito à justiça, devido a insuficiência de meios económicos.” Para evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com a redação introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, consagrou um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que assenta essencialmente na concessão da proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário. Nos termos do referido diploma legal, o acesso ao direito e aos tribunais compreende a informação jurídica e a proteção jurídica (artigo 2.º, n.º 2). Por seu turno, a proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigo 6.º, n.º 1). A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a questões ou casos concretos nos quais avultam interesses pessoais legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de lesão (artigo 14.º, n.º 1). O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) pagamento da compensação de defensor ofi- cioso; d) pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo; e) nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono; f ) pagamento faseado da compensação de defensor oficioso (artigo 16.º, n.º 1). Com este sistema diversificado de superação dos entraves económicos ao acesso à justiça procurou-se que nin- guém deixasse de exercer os direitos que lhe são reconhecidos pela ordem jurídica por insuficiência de meios para suportar os custos desse exercício. O acesso ao descrito sistema de apoio judiciário efetua-se através de um procedimento administrativo que passou a ser da competência dos serviços da segurança social com a entrada em vigor da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro. Foi então argumentado pelo então Ministro da Justiça que “o apoio judiciário destina-se a quem se encontra em situação de carência económica e constitui uma prestação social dos Estado idêntica às suas outras prestações sociais. Não deve, por isso, ser tramitada em tribunal, como é atualmente, mas, sim, nos serviços da segurança social, como acontece com as demais prestações sociais. (…) Ora, a atribuição de uma prestação social de apoio judiciário é o mesmo que a atribuição de uma prestação social de subsídio de desemprego, de rendimento mínimo garantido, de qualquer outra prestação social relativamente às quais não se vai requerer ao tribunal a sua concessão” (vide discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 51/VIII, Diário da República, I Série, n.º 26, pp. 993-994). A atribuição de competência decisória a uma entidade administrativa em matéria de concessão de apoio judi- ciário teve por objetivo libertar os tribunais do peso burocrático dos procedimentos de avaliação da situação eco- nómica dos interessados num contexto de ausência de qualquer litígio carecido de composição, não se deixando,
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