TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

341 acórdão n.º 534/14 submissão das fundações portuguesas e estrangeiras, que desenvolvam os seus fins nas Regiões Autónomas à incidência das normas da lei-quadro «as quais prevalecerão, em razão do seu caráter imperativo, sobre as disposições de sentido contrário porventura integradas em legislação editada ao abrigo da invocação de com- petências legislativas regionais» (6.3.). Não acompanho esta conclusão. 4. Em primeiro lugar, cumpre salientar que as normas dos artigos 1.º e 2.º da lei-quadro não fazem parte do pedido, pelo que não podem ser objeto de julgamento neste processo. Esta ausência do objeto do pedido não inibe a possibilidade de interpretação daquelas normas, tendo em vista, designadamente determinar o correto enquadramento das normas sob sindicância. Ponto é que a interpretação a empreender configure uma interpretação, também ela, respeitadora da Constituição. Com efeito, se houver duas interpretações possíveis e só uma for conforme à Constituição é essa a interpretação que o Tribunal Constitucional deve seguir. Ora, não é forçoso interpretar o artigo 1.º da Lei- -Quadro das Fundações como norma revogatória (ou derrogatória) no que respeita às regiões. Creio ser pos- sível interpretar a norma em causa no sentido de apenas ser aplicável à região – com a sua “imperatividade” e “prevalência” – na ausência de legislação regional sobre a matéria. É verdade que a lei-quadro se qualifica como imperativa e prevalecente e abrange no seu âmbito de aplicação territorial as regiões autónomas. No entanto, daí não resulta, necessariamente, a revogação ou der- rogação da legislação regional sobre a matéria. O facto de a lei-quadro abranger no seu âmbito de aplicação territorial as regiões autónomas não implica necessariamente a sua aplicação naqueles territórios, podendo considerar-se que esta norma apenas acautela a sua aplicabilidade na ausência de conflito normativo com legislação regional. Também é possível considerar que as normas da lei-quadro terão força imperativa e preva- lecente na medida em que sejam aplicáveis na região em causa, tendo em conta o princípio da supletividade. A imperatividade e prevalência da norma não definem o seu âmbito de aplicação territorial. As normas da lei-quadro podem ser qualificadas como imperativas e dotadas de prevalência sobre as normas especiais em vigor, sem que isso impeça que sejam inaplicáveis na região, enquanto existir legislação regional com ela desconforme sobre a matéria, de acordo com o artigo 228.º, n.º 2, da Constituição. Ora, considerando que seria inconstitucional (e ilegal) uma interpretação das normas no sentido de visarem derrogar a legislação regional e sendo possível fazer uma interpretação dessas normas no sentido da sua supletividade face ao direito regional (conforme à Constituição e aos Estatutos), deve optar-se por este último. Uma vez que só a interpretação mais restritiva se mostra conforme com o princípio da supletividade contido no artigo 228.º da Constituição, só ela deve ser aceite pelo Tribunal. Deve ser feita, portanto, uma interpretação dos artigos 1.º e 2.º da lei-quadro conforme com a Constituição e com o princípio da supleti- vidade da legislação da República, no sentido de disporem sobre o regime das fundações aplicável nas regiões, na ausência de legislação regional sobre a matéria. 5. O facto de se reconhecer competência à região para legislar sobre uma determinada matéria não é equivalente a reconhecer-lhe um espaço de reserva legislativa, afastando a competência dos órgãos de sobe- rania para legislar sobre aquela matéria, inclusivamente de forma imperativa, para a totalidade do território nacional. O que pode ocorrer, nesse caso, é que, existindo um conflito normativo da norma da República com legislação regional, a norma da República não deva ser aplicada, preferindo-se a aplicação da legislação regional, Trata-se de uma questão de produção de efeitos, não de validade, até porque a norma da República poderá vir a ser aplicada na região na medida em que a legislação regional com ela conflituante deixe de vigorar. Nada impede que a República legisle de forma imperativa para o todo nacional – onde se abrangem as regiões – na medida em que a Constituição e os Estatutos nos fornecem um critério para a resolução dos conflitos normativos que assim surjam: a lei da República é de aplicação supletiva. O que se encontra vedado aos órgãos de soberania é revogar legislação regional ou afastar a regra de supletividade das normas da Repú- blica no âmbito regional, constitucionalmente imposta.

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