TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
34 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Divergi do juízo adotado pela maioria quanto à inconstitucionalidade dos artigos 2.º e 4.º, n. os 2 a 3, do Decreto n.º 264/XII, da Assembleia da República, consideradas conjugadamente, por entender que as normas neles contidas não comportam violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 2. Os cortes remuneratórios introduzidos pelo legislador naquele Decreto distinguem-se dos anteriores num duplo plano. Em primeiro lugar, apesar de ter “caráter transitório” (cfr. o artigo 1.º, n.º 1), a medida em causa assume natureza plurianual, destinando-se a vigorar não só em 2014, mas também em 2015, 2016 e 2017, até à sua total extinção em 2018. O mencionado artigo 4.º estabelece as regras a que deve obede- cer a gradual reversão do corte remuneratório. Em segundo lugar, o contexto no quadro do qual a redução remuneratória é efetuada é também ele distinto, visto que, concluído o Programa de Assistência Económica e Financeira (“PAEF”), reabre-se para o Estado português a necessidade de estrito cumprimento das regras europeias em matéria orçamental, plasmadas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no Protocolo e nos Regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento (“PEC”) e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (“Tratado Orça- mental”). Em síntese, esse adimplemento passa pela correção, já em 2015, da situação de deficit excessivo em que Portugal se encontra (para – 2,5% do PIB), e a partir daí, pela aplicação da vertente corretiva do PEC, algo que implicará o cumprimento de uma trajetória de ajustamento do saldo estrutural até atingir o objetivo de médio prazo atualmente fixado em – 0,5% do PIB (cfr. o Documento de Estratégia Orçamental 2014-18 , o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, de 21 de maio de 2014, e o Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014, de maio 2014). 3. Considerou maioritariamente o coletivo que os artigos 2.º e 4.º, n. os 2 e 3, do Decreto n.º 264/XII, conjugadamente, na medida em que prevêm que a redução remuneratória dos trabalhadores do setor público permaneça para lá de 2015 em proporções não totalmente especificadas, violava o princípio da igualdade, nas suas dimensões de igualdade perante os encargos públicos e de igualdade proporcional. Manteve-se, pois, fiel ao standard já adotado noutra sede (cfr. os Acórdãos n. os 353/12, 187/13 e 413/14, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ), em virtude do qual concluiu que, não obstante existir fundamento (“particularismo distintivo”) para alguma diferença de tratamento entre trabalhadores pagos por verbas públicas e os restantes trabalhadores, a medida de diferenciação seria inequitativa e despro- porcionada, não tendo as razões invocadas pelo legislador valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, sobretudo tendo em conta a possibilidade de recurso a soluções alternativas. O fim do PAEF e a atenuação do contexto de excecionalidade que o mesmo importava para as finanças nacionais acentuariam a obrigação deste desfecho. Não obstante as referências por vezes feitas a um “critério de evidência”, o qual indiciaria um escrutínio de menor intensidade (cfr. o Acórdão n.º 353/12), é patente que o Tribunal se vem afastando progressiva- mente, desde o Acórdão n.º 396/11, de um controlo da igualdade como aquele que é ínsito ao princípio da proibição do arbítrio. Esse afastamento surpreende-se, entre outros aspetos, na insistência quanto à existência de soluções alternativas – maxime , no juízo quanto à dispensabilidade da redução remuneratória na prosse- cução do objetivo de consolidação orçamental – circunstância que indicia um entendimento sobre o teste da “necessidade” dificilmente compaginável com a margem de apreciação de que o legislador deve necessaria- mente dispor em matérias complexas e que envolvem prognoses empíricas e normativas. 4. Mesmo tomando como adequado o standard adotado, no cerne da nossa divergência encontra-se, porém, o modo como o coletivo apreciou a “justa medida” subjacente à manutenção do corte remuneratório
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