TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
333 acórdão n.º 534/14 Entendem os requerentes que, ao aprovar a Lei-Quadro das Fundações, a Assembleia da República, pese embora se tenha limitado a substituir uma norma editada pelo Governo, violou norma legal de valor reforçado, na medida em que a alínea e) do artigo 67.º do estatuto confere, como já vimos, competência à Assembleia Legislativa Regional para legislar em matéria de fundações de direito privado. Esta visão ancora-se no pressuposto de que o regime de concessão do estatuto de utilidade pública integra matéria pertencente ao âmbito do regime jurídico das fundações privadas, tal como este se encontra perspetivado na alínea e) do artigo 67.º do Estatuto. Para os requerentes, ao atribuir à Assembleia Legislativa Regional competência para legislar em matéria de fundações do direito privado, o Estatuto subtrai à compe- tência do legislador estadual a possibilidade de dispor sobre o regime de concessão do estatuto de utilidade pública às fundações privadas que atuem na Região Autónoma dos Açores, o que inclui a decisão sobre a atribuição da competência para o efeito. Não podemos, porém, acompanhar esse entendimento e considerar a matéria em causa integrada no sentido e na extensão da norma atributiva de competência, invocada pelos requerentes. Com efeito, aquando da terceira revisão do EPARAA – quando foi aditada a alínea e) do artigo 67.º –, os pressupostos relativos à concessão do estatuto de utilidade pública às fundações privadas e respetivo pro- cedimento encontravam-se definidos apenas no âmbito do próprio regime jurídico das pessoas coletivas de utilidade pública instituído pelo Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro – aplicável, por força do res- petivo artigo 2.º, quer às fundações, quer às associações – com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro. Esse regime vigorou até julho de 2012, momento em que, com a edição da Lei-Quadro das Fundações, as regras relativas à concessão e ao cancelamento do estatuto de utilidade pública às fundações privadas foram deslocadas do regime até então unitariamente compreendido no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro, para o âmbito geral que passou a reger as fundações, em termos imperativos. A circunstância do enquadramento legal contemporâneo da revisão estatutária operada pela Lei n.º 2/2009 e, em particular, o facto de as regras relativas à concessão do estatuto de utilidade pública às fundações de direito privado se encontrarem então previstas em regime jurídico específico – o regime jurí- dico das pessoas coletivas de utilidade pública – e não no regime jurídico das fundações privadas, então praticamente contido nas secções I e III do Capítulo que o Código Civil dedica às pessoas coletivas, depõe no sentido do afastamento do regime de concessão do estatuto de utilidade pública do âmbito material da previsão da alínea e) do artigo 67.º do EPARAA. Também a teleologia prosseguida pelo instituto aponta no sentido oposto ao pretendido pelos requerentes. A declaração de utilidade pública foi instituída para responder à necessidade, sentida pelo legislador de 1977, de contribuir para o “desenvolvimento do associativismo”, em particular das associações que “prestam relevantes serviços à comunidade, suprindo muitas vezes o papel do próprio Estado”, dotando-as de “alguns meios para valorização e expansão da sua atividade” através da consagração legal de um estatuto que permi- tisse facultar determinados “direito e regalias”, traduzidos em “isenções fiscais, redução de determinadas taxas e outros benefícios”, que pudessem contribuir para o desenvolvimento “das coletividades que a ele f[izessem] jus” (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro). Assim, dirigido à mais ampla categoria das pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos – onde se inte- gram, quer as fundações, quer as associações –, o regime jurídico pertinente à concessão da utilidade pública assume conteúdo normativo transversal e próprio, dotado de autonomia que afasta a possibilidade de entre o mesmo e o regime jurídico das fundações de direito privado ser reconhecida a relação de pertinência natural ou necessária suposta pela subsunção defendida pelos requerente. O estatuto de utilidade pública assume fundamentalmente uma natureza adjetiva, conferindo à pessoa coletiva, incluindo à fundacional, uma qualidade funcional que não decorre, nem afeta, a sua essencialidade. Como nota Carlos Blanco de Morais, pese embora a especial vocação estatutária e aptidão funcional do ente em cooperar com a administração – colaboração justificativa da outorga do estatuto de utilidade pública e do
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