TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL imperatividade que reveste essa estatuição, o poder da região de conformar diferentemente tal competência no seu âmbito territorial, com referência às fundações privadas aí sediadas. Ao atuar desse modo, em domínio material a que não se reconhece a necessidade de concentração num único órgão da competência para o reconhecimento, o legislador estadual infringiu a norma estatutária contida na alínea e) do artigo 67.º, que habilita a Assembleia Legislativa regional a legislar sobre fundações privadas, âmbito material em que encontra inscrição a definição do órgão competente para o ato de reco- nhecimento. Esse espaço de atuação conferido pelo estatuto havia sido preenchido pelo legislador regional, através do Decreto Legislativo Regional n.º 51/2006/A, de 12 de dezembro, que conferiu no seu artigo 1.º, n. os 1 e 2, ao Presidente do Governo regional, com faculdade de delegação, a competência para o reconhecimento das fundações, nos termos e para os efeitos dos artigos 158.º, n.º 2, e 188.º do Código Civil, independentemente do fim que prossigam. Competência essa que afastou. Verifica-se, pelo exposto, infração pela normação impugnada da lei estatutária, cujo valor paramétrico, decorrente da norma credenciadora da exclusividade da competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma em causa, constante da alínea e) do artigo 67.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, determina a sua ilegalidade. Acresce que não há que convocar, em suporte do juízo de ilegalidade a que se chegou, o princípio da supletividade da legislação nacional, como peticionam os recorrentes, pois a invalidade das normas impugna- das afirma-se por efeito do valor supralegislativo próprio da norma estatutária de competência, em execução do programa constitucional que lhe serve de fundamento. O artigo 15.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores não detém, no plano externo, de recorte das competências entre o Estado e as regiões – questão constitucional –, qualquer valor paramétrico autónomo, distinto do que decorre da norma constante do artigo 228.º da Constituição, que reproduz (cfr. Jorge Pereira Coutinho, A Lei Regional e o Sistema de Fontes, Universidade Católica Portuguesa, 1988, pp. 209-210). F) Competência para a concessão e cancelamento do estatuto de utilidade pública 11. A segunda questão colocada dirige-se ao domínio específico da concessão e cancelamento do esta- tuto de utilidade pública às fundações privadas. Novamente, a previsão estatutária invocada encontra-se na esfera residual enunciada no artigo 67.º, através da cláusula aberta de “outras”, e na sua concretização constante da alínea e) . Porém, distintivamente, não foi editado qualquer diploma legislativo regional que regulasse no espaço regional essa matéria. Os requerentes fundamentam o pedido em diploma nacional que delegou a decisão em órgão regional relativa- mente às fundações que atuem exclusivamente no seu âmbito territorial. Com efeito, mesmo em relação às fundações privadas com sede nas Regiões Autónomas, o regime da concessão do estatuto de utilidade pública foi sempre definido através de normação emanada dos órgãos de soberania, tendo sido por iniciativa do Governo, através do Decreto-Lei n.º 52/80, de 26 de março, que foi transferida para os Governos Regionais a competência para a declaração de utilidade pública das fundações que exercessem a sua atividade em exclusivo na respetiva região autónoma (cfr. artigo 1.º). Tal norma, apesar de implicitamente mantida em vigor pelo Decreto-Lei n.º 391/2007 – o qual, por efeito da nova redação conferida ao artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 460/77, transferira já do Governo para o Primeiro- -Ministro a competência para a declaração do reconhecimento de utilidade pública e respetiva cessação, por efeito da nova redação conferida ao artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 460/77 –, encontra-se derrogada pela Lei n.º 24/2012, na medida em que esta, através da Lei-Quadro das Fundações que em anexo aprova, tornou de aplicação imperativa e prevalecente sobre todas as normas especiais em vigor a regra, extraível dos respetivos artigos 2.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, segundo a qual pertence ao Primeiro-Ministro a competência para a concessão do estatuto de utilidade pública e respetivo cancelamento relativamente a todas as fundações, portuguesas ou estrangeiras, que desenvolvam os seus fins em território nacional, o que inclui as Regiões Autónomas.
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