TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
331 acórdão n.º 534/14 O substrato da fundação tem, assim, como seus elementos constitutivos nucleares, o património e o fim: ao contrário das associações, que têm o seu substrato integrado por uma pluralidade de pessoas que se agregam para a realização de uma determinada finalidade comum, as fundações são pessoas coletivas forma- das por um acervo patrimonial afeto, por vontade do instituidor, a um fim determinado, que deverá revestir utilidade social. Para além do património e do fim, o substrato da fundação é ainda integrado por um elemento intencio- nal e por um elemento organizatório, consistindo o primeiro na intenção de criar uma nova pessoa jurídica (animus personificandi) e correspondendo o segundo à estruturação orgânica tornada necessária pela execução do programa fundacional, no contexto do surgimento de um novo centro autónomo de imputação jurídica. O reconhecimento é o fator constitutivo da personalidade jurídica coletiva da fundação: a aquisição da personalidade pela fundação não é um efeito legal automático produzido a partir da verificação de determi- nados requisitos, mas o resultado de um ato de reconhecimento (artigo 158.º, n.º 2, do Código Civil, na redação conferida pela Lei n.º 24/2012) que, no caso de não ser normativo – correspondendo este às hipó- teses em que a instituição e o reconhecimento da fundação resultam de uma norma jurídica, normalmente constante de lei ou decreto-lei –, se efetua mediante um ato administrativo de concessão. Nesta última hipótese, o reconhecimento é requerido, de acordo com a redação conferida pela Lei n.º 24/2012 ao artigo 188.º do Código Civil, “pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, no prazo máximo de 180 dias a contar da data da instituição da fundação”, podendo ainda “ser oficiosamente promovido pela entidade competente” (n.º 1), importando, uma vez concedido, “a aquisição, pela fundação, dos bens e direitos que o ato de instituição lhe atribui” (n.º 2). O reconhecimento poderá ser negado com base na verificação de algum dos seguintes fundamentos: i) não serem os fins considerados de interesse social pela entidade competente, o que, de acordo com a explici- tação introduzida pela Lei n.º 24/2012, ocorrerá se os mesmos aproveitarem ao instituidor ou sua família ou a um universo restrito de beneficiários com eles relacionados [artigo 188.º, n.º 3, alínea a) , do Código Civil]; ii) ser o património afetado insuficiente ou inadequado, o que, de acordo com a clarificação resultante da Lei n.º 24/2012, decorrerá em particular da circunstância de o mesmo se encontrar onerado com encargos que comprometam a realização dos fins estatutários ou não gerar rendimentos suficientes para garantir a realiza- ção daqueles fins [artigo 188.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil]; e iii) apresentarem os respetivos estatutos alguma desconformidade com a lei [artigo 188.º, n.º 3, alínea a) , do Código Civil]. Representando embora uma manifestação “anómala da aderência reguladora do direito público em relação a uma pessoa coletiva instituída no fuste de um negócio jurídico privado”, o reconhecimento por concessão administrativa tem como razão de ser a necessidade, tanto “de se garantir, por via heterónoma, a genuinidade da realização do fim desinteressado que as fundações devem em regra prosseguir”, como a de avaliação, “num plano de controlo de legalidade e de oportunidade”, do merecimento dos “benefícios, nomeadamente fiscais, que a fundação recebe do Estado quando prossegue determinados fins qualificados como de utilidade ou relevância pública” (cfr. Carlos Blanco de Morais, ob. cit. , pp. 554-555). Quanto à natureza e ao exato conteúdo do poder decisório implicado no ato de reconhecimento com que é adquirida personalidade jurídica pela fundação, a doutrina mostra-se dividida entre orientações diver- sas, quanto ao grau de discricionariedade de que goza a entidade concedente e quanto ao requisito – suficiên- cia do património e/ou prossecução de um interesse social – sobre que ela incide. Mas, seja qual for o entendimento que mereça primazia, o que fundamentalmente importa reter é que o reconhecimento constitui o ato através do qual as fundações adquirem personalidade jurídica e se convertem num centro autónomo de imputação jurídica. Por isso, como nota Blanco de Morais, “[o] reconhecimento constitui virtualmente o mais significativo de todos os atos jurídicos praticados pelas autoridades públicas no que respeita às fundações de direito privado” ( ob. cit. , p. 576). Assim sendo, verifica-se que o legislador estadual veio, através da normação constante dos artigos 6.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 42.º, n.º 1, e 46.º, n.º 1, todos da Lei-Quadro das Fundações, centrar no Primeiro- -Ministro a competência para o reconhecimento de fundações privadas, subtraindo, do mesmo passo, pela
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