TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
33 acórdão n.º 574/14 Contudo, fica-se sem saber, afinal, por que motivo invoca agora o Tribunal esse quadro normativo, e qual a relevância jurídico-constitucional que lhe confere. Na verdade, nenhuma conclusão valorativa dele se retira quanto à ponderação própria a fazer no âmbito da “igualdade proporcional”. Por que motivo se não tiveram em conta, no julgamento sobre a questão de constitucionalidade, as constrições externas à Repú- blica, e que perduram para além de 2015? Além da relevância constitucional conferida à participação da República na União Europeia e às suas responsabilidades na realização do projeto de integração (cfr. artigo 7.º, n. os 5 e 6, da CRP), as quais consti- tuem em si mesmas um valor da própria ordem constitucional, seguramente que não será jurídico-constitucio- nalmente irrelevante a consequência que para a República Portuguesa poderá advir do eventual incumpri- mento dessas mesmas responsabilidades. Ora, as Recomendações específicas dirigidas a um Estado-Membro, no âmbito de um procedimento por défice excessivo, são atos jurídicos cujo incumprimento determina o acionamento de sanções previstas designadamente no n.º 11 do artigo 126.º do TFUE. A essas sanções poderão acrescer sanções específicas estabelecidas no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 1173/2011 do Par- lamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na área do euro. Mas mesmo à margem de um procedimento por défice excessivo, as responsabilidades da República decorrentes do quadro normativo de coordenação e governação da UEM jamais poderão considerar-se, uma vez mais face ao artigo 7.º, n. os 5 e 6, da CRP, jurídico-constitucionalmente irrelevantes. Do mesmo modo, não será jurídico-constitucionalmente irrelevante a consequência que para a Repú- blica Portuguesa poderá advir do eventual incumprimento do disposto no Tratado sobre Estabilidade, Coor- denação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental). De entre os diversos requi- sitos de disciplina orçamental aí fixados importa realçar o constante do artigo 3.º, no qual se determinam as metas específicas a atingir pelo saldo estrutural anual das administrações públicas de cada país. É inquestio- nável o qualificado valor de interesse público que se deve atribuir ao cumprimento destas exigências, parti- cularmente se se tiver em linha de conta o disposto no Considerando 25 do referido Tratado. Com efeito, aí se prevê que «a concessão de assistência financeira no quadro de novos programas ao abrigo do Mecanismo Europeu de Estabilidade ficará condicionada, a partir de 1 de março de 2013, à ratificação do presente Tra- tado pela Parte Contratante em questão, e, logo que expire o período de transcrição a que se refere o artigo 3.º, n.º 2, do presente Tratado, ao cumprimento dos requisitos estabelecidos nesse artigo » (itálico nosso). Ainda que as premissas na base das quais foram fixados tais requisitos possam ser objeto de controvérsia no espaço público (político, científico e académico), não cabe evidentemente ao Tribunal pronunciar-se sobre a sua bondade. Assim, e qualquer que seja o princípio constitucional à luz do qual se aprecie a conformidade constitu- cional de uma medida legislativa – incluindo o princípio da igualdade nos termos da fórmula da “igualdade proporcional” – em caso algum pode deixar de integrar-se na ponderação o mandato constitucional para com a integração europeia. A isto acresce que, num quadro jurídico extremamente complexo, envolvendo não só uma plurali- dade de ordens jurídicas, mas também uma pluralidade de instituições criadas a fim de assegurar o bom funcionamento da UEM, nos termos do disposto pelo artigo 3.º, n.º 4, do TUE e do Título VIII da Parte III do TFUE, não cabe a um tribunal constitucional nacional – seja o Tribunal Constitucional de Portugal ou outro – definir ou sequer condicionar a evolução futura da UEM. Tal significa que não pode deixar de reconhecer-se às diferentes instituições, no âmbito das respetivas competências – e, portanto, também, ao legislador nacional de cada Estado-Membro – uma amplíssima margem de liberdade conformadora quanto à adoção de medidas que se inserem no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os vários Estados da União, maxime entre os vários Estados da “Zona Euro”, em ordem à estabilização financeira e económica dessa mesma “Zona” (cfr. ponto 3 da minha declaração de voto aposta no Acórdão n.º 353/12). – Maria Lúcia Amaral.
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