TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

308 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL lei-quadro da Assembleia da República». É essa ainda a expressão que permanece na versão atual da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, desde essa altura inalterada. Todavia, a Lei Constitucional n.º 1/97 veio aditar ao atual artigo 164.º, em matéria relativa à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a sua alínea t) , segundo a qual é da exclusiva competência da mesma Assembleia legislar sobre o regime de finanças regionais. Da mesma revisão cons- titucional resultou ainda que a lei da Assembleia da República que define, ao abrigo da referida alínea t) , o regime de finanças regionais, terá a forma de lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2), necessariamente aprovada, em votação final global, por maioria parlamentar qualificada (artigo 168.º, n.º 5). Além disso, e a propósito da cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais (artigo 229.º), a Lei Constitucional n.º 1/97 acrescentou que «[a]s relações financeiras entre a República e as regiões autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.» (n.º 3 do referido artigo 229.º). Assim sendo, a lei-quadro da Assembleia da República a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP corresponde hoje à Lei das Finanças Regionais. Constituindo o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais uma expressão da autonomia financeira das regiões, e sendo a Lei das Finanças Regionais, de acordo com a CRP, o local próprio para a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões, será ainda nesta última lei que se há de encontrar o regime a que deve obedecer a região, sempre que queira fazer uso da competência – que a Constituição lhe atribui – para adequar às suas especificidades os impostos nacionais. 5. No sistema de atos legislativos que a Constituição da República define, a Lei das Finanças Regionais ocupa um lugar hierárquico bem identificado. Sendo necessariamente aprovada pela Assembleia da Repú- blica sob a forma de lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2, da CRP), e incorporando por isso uma deliberação parlamentar tomada por maioria particularmente exigente (artigo 168.º, n.º 5), é-lhe atribuído na hierarquia dos atos normativos do Estado o lugar correspondente ao das leis de valor absolutamente reforçado [artigo 112.º, n.º 3, e artigos 280.º e 281.º, alínea b) , do n.º 2 e alínea b) do n.º 1, respetivamente]. Idêntico valor reforçado detêm, como já se sabe, as leis da Assembleia da República que, por iniciativa exclusiva dos parlamentos regionais, aprovam ou alteram os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas. Mas tal facto não permite só por si que se conclua que, havendo, em matéria de adaptação do sistema fiscal nacional às necessidades das regiões, discrepâncias entre normas estatutárias e normas constan- tes da Lei das Finanças Regionais, o conflito se deva resolver no sentido da prevalência das primeiras. Tal só sucederia se, face à Constituição, coubesse aos estatutos autonómicos e só a eles a tarefa de regular a “matéria” em causa. Mas, como vimos, não é essa a solução que a CRP hoje consagra: o sistema constitucional, progressivamente aperfeiçoado, não devolveu aos estatutos político-administrativos a função exclusiva (e excludente) de definir a forma de partilha de competências jurídico-financeiras entre Estado e regiões. Adotando uma solução coerente em Estado unitário parcialmente regionalizado (no qual, como se disse no Acórdão n.º 624/97, autonomia financeira regional não pode ser sinónimo de “soberania” ou “inde- pendência [financeira]”), a CRP conferiu a outra lei da República que não a que aprova os estatutos regionais a função de definir o modo geral de articulação entre República e regiões autónomas no domínio financeiro. Tal inclui – como acabou de ver-se – a regulação do modo pelo qual as regiões adaptam às suas específicas necessidades o sistema fiscal nacional. Esta solução constitucional, que assim eleva a Lei das Finanças Regionais a elemento essencial do sis- tema de articulação jurídico-financeira entre República e regiões, não implica nenhuma descaracterização dos Estatutos Político-Administrativos, que, enquanto leis básicas das regiões, continuam a ser a sede própria para a definição dos poderes de autonomia (artigo 227.º, n.º 1). Nem tão pouco diminui o valor decisivo que a faculdade de autodeterminação financeira detém para a concretização do modelo de autonomia que a Constituição consagra.

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