TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL remuneratória e os titulares dos demais rendimentos obtidos através de verbas públicas. Não havendo fun- damento razoável para tratamento desigual das várias categorias de rendimentos, a universalidade da medida imporia que fossem afetados, em igual medida e com as necessárias adaptações, todos aqueles que obtêm rendimentos provenientes do Orçamento do Estado. Segundo o critério escolhido, a razoabilidade na igual- dade ou desigualdade de tratamento tem que se basear na comparação entre o grau de sacrifício que a redução remuneratória representa para os trabalhadores da Administração Pública e o sacrifício eventual- mente imposto a todos aqueles que auferem rendimentos provenientes de receitas públicas ( v. g. contratos de diferente natureza). Eleger como par comparativo os trabalhadores do setor privado ou os titulares de ren- dimentos que não provêm de receitas públicas implica o (i) reconhecimento de “alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia”, (ii) a necessidade de medir a extensão dessa diferenciação, (iii) e a ponderação da medida da diferença com a extensão da desigualdade de tratamento. Ora, a determinação dessa diferença não pode ser feita com o necessário rigor, porque no mesmo contexto de emergência económico-financeira foram tomadas outras medidas que afetaram negativamente os demais titulares de rendimentos, tornando-se assim difícil, num controlo de evidência, averiguar a pro- porcionalidade da desigualdade. A relação da redução remuneratória com o fim visado pode ser confrontada com o princípio da proibi- ção do excesso, sem ser necessário tomar em conta a desigualdade com os rendimentos do setor privado. A primeira vez que a medida foi criada – orçamento de 2011 – a norma passou os “testes “ da proporcionali- dade, considerando-se que as reduções remuneratórias, para além de idóneas e indispensáveis, não se podiam considerar excessivas, em face das dificuldades a que visavam fazer face: «justificam esta valoração, sobretudo, o seu caráter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afetados» (Acórdão n.º 396/11). O caráter transitório e excecional da medida restritiva do direito à retribuição constituiu fundamento do juízo de constitucionalidade de norma idêntica no orçamento de 2013 (Acórdão n.º 187/13) e do juízo de inconstitucionalidade no orçamento de 2014, neste caso apenas quanto ao agravamento da medida, por se julgar ultrapassado o limite de sacrifício exigido pela excecionalidade da situação económico-financeira (Acórdão n.º 413/14). Da conjugação do artigo 2.º com o artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII resultam as seguintes reduções remuneratórias: (i) para o ano económico de 2014, iguais às estabelecidas na LOE de 2011; (ii) para o ano económico de 2015, iguais a 80% da aplicável em 2014; (iii) , para os anos económicos de 2016 a 2018, a que for fixada em função da disponibilidade orçamental, variando entre a aplicável em 2015 e zero; (iv) para o ano económico de 2019, deixa de existir qualquer redução remuneratória. No corrente ano de 2014, o Acórdão n.º 413/14 considerou que a medida, na modelação inicial, não era excessiva, por se tratar de um exercício orçamental ainda condicionado pelo Programa de Assistência Eco- nómica e Financeira (PAEF), pelo que a mesma ponderação não pode deixar de ser efetuada relativamente à redução prevista nas normas questionadas. Para o ano de 2015, atenta a justificação dada pelo proponente das normas, ainda se pode considerar a existência de circunstâncias excecionais prevalecentes sobre os interesses particulares afetados. Com efeito, existe pendente na União Europeia (EU), desde 2010, um Procedimento por Défice Excessivo, interrom- pido com o PAEF, que vincula o Estado a pôr termo à situação que o justifica, reduzindo em 2015 o défice orçamental para 2,5% do PIB. Aceita-se que por esta razão a norma questionada ainda se encontra dentro do quadro de excecionalidade e transitoriedade que justificou as reduções remuneratórias nos anos anteriores. Mas o mesmo não se verifica com as reduções previstas para o triénio de 2016 a 2018. As reduções remune- ratórias foram impostas num contexto de grave crise económico-financeira que reclamava uma atuação rápida para garantir o financiamento do Estado. A gravidade da situação ordenava que se agisse de imediato, se fosse preciso à custa de restrições a direitos fundamentais. O risco grave e iminente de default foi evitado através da assunção de compromissos internacionais e europeus que visavam ultrapassar o estado de emergência. A urgên- cia remetia, pois, para um estado de coisas absolutamente excecional que justificava uma intervenção restritiva

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