TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
273 acórdão n.º 465/14 185.º Cabia, pois, ao Governo regulamentar a matéria em causa e, ao fazê-lo, aquele órgão deveria ter respei- tado as normas constitucionais que determinam a necessidade de promover a correção dos desequilíbrios gerados pela insularidade e pelo afastamento. E, aqui chegados, impõe-se um regresso ao início deste requerimento para se sublinhar, agora tendo como pano de fundo o caso sub judice , que “o desenvolvimento harmonioso de todo o ter- ritório nacional”, deve ser promovido pelo Estado “tendo em conta, designadamente, o caráter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira” [artigo 9.º, alínea g) da Constituição], sendo esse um objetivo decorrente da necessidade, constitucionalmente consagrada, de o Estado assegurar a coesão económica e social do País. Com efeito, a Constituição pretendeu que a tomada em conta dos condicionalismos das regiões ultraperiféricas consti- tuísse uma norma-tarefa sediada na Constituição e impositiva do estabelecimento de medidas especificas tendentes a assegurar o desenvolvimento harmonioso dessas regiões e a repor a igualdade de oportunidades entre o conti- nente e as ilhas e necessariamente, entre os habitantes do continente e os habitantes das ilhas. Deste modo, se a insularidade traz custos acrescidos (em termos de transportes, comunicações, energia, etc.), que colocam as regiões autónomas em pé de desigualdade com o resto do território nacional, a preocupação, diversas vezes enunciada no texto constitucional, de se assegurar o desenvolvimento equilibrado de todo o território nacional, nomeadamente prestando-se especial atenção às regiões autónomas em função dos custos da insularidade, deve dar lugar a medi- das positivas corretivas das desigualdades, que se consubstanciem em atribuições àqueles que estão em condições de desigualdade para que possam beneficiar do mesmo tipo de oportunidades dos que, mesmo sem o apoio do Estado, sempre delas disporiam. O Estado, através dos seus órgãos, tem, portanto, obrigações positivas, atributivas, para com as regiões autónomas, no sentido de que, para repor as condições de igualdade, terá frequentemente que favorecer aquelas regiões. Ora, no caso concreto, a regulamentação adotada pelo Governo em matéria de financia- mento de atletas e equipas desportivas com vista à sua participação em competições desportivas nacionais violou todas estas diretrizes constitucionais, favorecendo os atletas e as equipas desportivas do continente em detrimento dos atletas e equipas desportivas das regiões autónomas e, assim, violando os deveres do Estado e dos órgãos de soberania decorrentes dos artigos 6.º, n.º 1, 9.º, alínea h) , 81.º, alíneas d) e e) , 90.º, 225.º, n.º 2 e 229.º, n.º 1 da Constituição, bem como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição. 186.º Mas ainda que se entendesse o contrário, isto é, (i) que existem limites constitucionais à liberdade do Governo e da Assembleia da República de reservarem, para si, a competência de regulamentação da legislação nacional, e que (ii) esses limites são aplicáveis no caso das matérias reguladas pela LBAFD, pelo que (iii) não podia a Assembleia da República ter atribuído, em exclusivo, ao Governo, a regulamentação da matéria em causa, a discussão perde interesse prático ante a previsão constitucional do princípio da supletividade do direito estadual. Na verdade, 187.º Ante o princípio consagrado no artigo 228.º, n.º 2, da Constituição – o qual, como vimos, é também aplicável em matéria regulamentar – na falta de regulamentação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nos territórios das regiões autónomas as normas em vigor. 188.º Por outras palavras: ainda que se entendesse que a competência regulamentar pertence, neste caso, tam- bém aos órgãos das regiões autónomas – porque o afastamento da competência regulamentar dos órgãos regionais não é admissível-, não havendo regulamentação regional sobre a matéria, sempre se aplicaria a regulamentação existente, ou seja, a constante do Despacho normativo n.º 1/2013. 189.º E, aqui chegados, a conclusão impõe-se novamente: a norma constante do artigo 4.º do Despacho normativo n.º 1/2013, ao atribuir financiamento apenas aos atletas e equipas desportivas do continente nas deslo- cações que realizem às regiões autónomas, dele excluindo os atletas e as equipas desportivas das regiões autónomas nas deslocações que realizem ao continente, provoca um desequilíbrio – e uma diferenciação – sem qualquer razão de ser e que são violadores dos parâmetros constitucionais aplicáveis, designadamente face aos deveres do Estado e dos órgãos de soberania decorrentes dos artigos 6.º, n.º 1, 9.º, alínea h) , 81.º, alíneas d) e e) , 90.º, 225.º, n.º 2 e 229.º, n.º 1 da Constituição, sem esquecer a vinculação geral dos mesmos ao princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição.
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