TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
268 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 133.º Por outro lado, como consequência direta deste princípio, todos os atos legislativos da República pas- sam a beneficiar de uma presunção (ilidível) de aplicação no território das regiões autónomas enquanto estas não legislarem sobre a matéria; isto é, em situações de dúvida, e enquanto inexistir legislação regional, o operador admi- nistrativo deverá aplicar a legislação nacional (em consequência, deixa de se colocar o problema das inércias legis- lativas regionais aflorado por P. Pereira Gouveia, Estudo sobre o Poder Legislativo das Regiões Autónomas, Almedina, 2003, pp. 63 segs.. Sobre a questão, cfr. ainda P. Machete, “A obrigatoriedade de executar a legislação nacional: uma obrigação sem sanção?” in Direito e Justiça, 1996, pp. 131 segs.). 134.º No fundo, o princípio da supletividade do direito estadual determina a operatividade de uma forma especial de analogia na medida em que remete o intérprete para a regulação constante do direito estadual sempre que se verifique uma lacuna no direito regional. 135.º Por fim, face à redação do n.º 2 do artigo 228.º – que parece restringir o âmbito de aplicação do princípio às “normas legais em vigor” – importa aqui ponderar se não fará sentido uma interpretação da referida norma que permita aplicar o princípio da supletividade do direito estadual às normas de natureza regulamentar. 136.º Nada parece obstar a uma tal interpretação; pelo contrário, as razões que justificam a introdução e vigência do mencionado princípio no ordenamento jurídico português parecem determinar que o mesmo abranja também as disposições de natureza regulamentar. Na verdade, a intenção de salvaguarda da segurança jurídica e a vocação de plenitude do ordenamento jurídico apontam justamente nesse sentido. Por outro lado, a forma como o princípio opera, através do instituto da aplicação preferencial, parece remeter-nos para a mesma conclusão. Aliás, a talhe de foice, sempre será de dizer que não se veem quaisquer razões para que a Constituição estabelecesse a suple- tividade em matéria de atos legislativos e, depois, em matéria de poder regulamentar, adotasse solução divergente. 137.º Assim, “perante a hipótese de inexistência de um regulamento regional de uma lei da República, aplicar- -se-á supletivamente (…) o regulamento governamental – a defesa de uma solução contrária redundaria na admis- sibilidade de um «veto regional» à legislação dos órgãos de soberania, sempre que sua aplicabilidade não dispensasse a emissão de um regulamento” (cfr. Ana Raquel Gonçalves Moniz, “A titularidade do poder regulamentar no direito administrativo português”, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. 80, 2004, pp. 533-534). C2) O caso sub judice à luz do quadro normativo nacional sobre repartição de competências legislativas e regu- lamentares entre o estado e as regiões autónomas 138.º Face ao cenário normativo que fica traçado, vejamos, então, que consequências devem dele ser retiradas para o caso presente. 139.º O financiamento dos clubes desportivos para as deslocações inerentes às competições em que os mesmos participem é matéria que diz respeito à execução de programas concretos de promoção da atividade física e do desporto. 140.º As incumbências do Estado em matéria de promoção da atividade física e do desporto estão previstas em duas disposições constitucionais: a) Por um lado, na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º, que prevê que “os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente na educação física e no desporto”; b) Por outro lado, no artigo 79.º, que prevê que “todos têm direito à cultura física e ao desporto” (n.º 1) e que “incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a vio- lência no desporto”. 141.º Dos dois preceitos constitucionais transcritos resulta, prima facie , a atribuição de competências ao Estado em matéria de atividade física e desporto. Senão vejamos: 142.º Do primeiro preceito resulta a atribuição de competências específicas no âmbito da discriminação posi- tiva que é devida aos jovens para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais. Com efeito, nas
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