TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
267 acórdão n.º 465/14 comunitárias. Recorde-se que, até à IV revisão constitucional, a questão não era objeto de decisão explícita na Constituição; depois, com a revisão constitucional de 1997, a Constituição passaria a determinar que apenas leis e decretos-leis poderiam consubstanciar atos de transposição de diretivas comunitárias; por fim, a partir da revisão constitucional de 2004, as Regiões Autónomas voltaram a poder transpor, por meio de ato legislativo, diretivas comunitárias – agora sem o limite do “interesse específico”. 118.º Em matéria de competência regulamentar, a Constituição atribui às Regiões Autónomas competência para regulamentarem a “legislação regional” e as “leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respetivo poder regulamentar” [cfr. artigo 227.º, n.º 1, alínea d) ]. Assim, como bem salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a competência regulamentar abrange duas “sub-competências”: (i) a competência para regulamentar as leis regionais, que pertence aos governos regionais; (ii) a competência para regulamentar as leis da República que não reservem para o Governo da República essa competência, a qual pertence à Assembleia Legislativa. Daqui podemos retirar duas conclusões: a de que o Governo Regional não pode regulamentar leis nem decretos-leis (nem essa competência lhe pode ser atribuída pela Assembleia da República ou pelo Governo), e a de que não admitem regulamentação regional as leis em matéria de reserva absoluta de lei formal. (cfr. Constituição , Vol. II, p. 670). 119.º Dentro deste quadro, a regulamentação regional pode assumir duas formas: (i) regulamentação de decre- tos legislativos regionais; (ii) regulamentação de atos legislativos dos órgãos de soberania que não reservem para si o poder regulamentar. Quanto ao ato de regulamentação em concreto, assume diferentes formas conforme se trate de um caso ou do outro: com efeito, enquanto a regulamentação de atos legislativos regionais é feita por meio de regulamento regional, a regulamentação dos atos legislativos dos órgãos de soberania é feita através de decretos legislativos regionais, os quais, não obstante serem atos legislativos, estão sujeitos aos mesmos limites que os atos regulamentares (além dos limites próprios da competência legislativa regional). 120.º No que toca ao poder regulamentar da legislação nacional, importa ter presente que, antes da revisão constitucional de 2004, quer a jurisprudência, quer a doutrina nacionais defendiam, quase unanimemente, que o interesse específico consubstanciava um dos limites ao poder regulamentar das Regiões Autónomas. 121.º Eliminado o limite do interesse específico, deverá entender-se que a competência regulamentar das regiões autónomas tem como limite apenas a possibilidade de os órgãos de soberania reservarem para si o poder regulamentar (além, como é óbvio, das determinações constantes do artigo 112.º, n.º 7 da Constituição, do prin- cípio da hierarquia e da reserva de lei). 122.º Centremos agora as nossas atenções no princípio da supletividade do direito estadual. 123.º A revisão constitucional de 2004 introduziu, no artigo 228.º, n.º 2, uma norma da maior relevância em matéria de articulação entre as competências regulatórias dos órgãos de soberania e dos órgãos das regiões autó- nomas, a qual dispõe que “na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas Regiões Autónomas as normas legais em vigor”. 124.º Trata-se da consagração constitucional do princípio da supletividade do direito estadual, cujos sentido e alcance importa aqui analisar (sobre o tema, cfr. C. Blanco de Morais, A autonomia legislativa , p. 362; P. Otero, “O princípio da supletividade do direito do Estado na Constituição portuguesa de 1976”, in Estado & Direito , n. os 17-18, 1996, pp. 57 segs.). (…) 132.º De acordo com a doutrina nacional, o princípio em análise teria um sentido aplicativo tripartido, visando: (i) O preenchimento de espaços de total vazio regulatório decorrentes de omissão, por parte das regiões autó- nomas, da adoção de atos legislativos (ou regulamentares) em matérias da respetiva competência; (ii) A integração de lacunas pontuais detetáveis na normação das regiões autónomas; (iii) A definição de critérios de interpretação e de princípios gerais de aplicação das normas originárias das regiões autónomas (cfr. P. Otero, Legalidade e administração pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2003, pp. 868 segs.; O princípio da supletividade , pp. 66 e segs.).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=