TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL porquanto, nestes domínios, a competência para a regulação da matéria cabe exclusivamente ao legislador ordinário, visto estarmos fora do âmbito de direitos cujo conteúdo seja determinado ou sequer determinável a nível constitucional. A invalidação da medida legislativa surge assim fundada em violação do artigo 2.º da CRP – sede do princípio da proporcionalidade – a partir de um “sub-parâmetro” que o Tribunal nele encontrou, sem que se saibam ao certo quais os instrumentos hermenêuticos que foram utilizados para o autonomizar, qual o seu conteúdo rigoroso, e o que esperar por isso da sua futura evolução. 6. Finalmente, a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 117.º da Lei Orçamental, relativas às pensões de sobrevivência. O parâmetro invocado para invalidar a medida legislativa volta a ser o princípio da igualdade, contido no artigo 13.º da CRP. Contudo, o entendimento que o Tribunal aqui adota de “igualdade” não parece ser o mesmo que fun- damentou a invalidação das reduções remuneratórias (artigo 33.º da Lei Orçamental). Com efeito, nenhuma conjunção se estabelece agora entre “igualdade” e “proporcionalidade”. Mas também se não retorna, segundo creio, nem à fórmula tradicional da proibição do arbítrio, nem sequer aos modelos intermédios próprios da “nova fórmula” de origem alemã ( supra, ponto 3 desta declaração). Aparentemente, portanto, teremos tam- bém aqui um novo princípio, ou um novo entendimento quanto ao conteúdo de um princípio, que volta a assumir contornos assaz indefinidos. Que se não regressa aos domínios possíveis ensaiados pela “nova fórmula” é certo, uma vez que esses pressupõem que se avaliem diferenças, estabelecidas pelo legislador, entre grupos de pessoas, sendo tanto mais intenso o escrutínio do Tribunal quanto mais essas diferenças forem estabelecidas em função das cha- madas “categorias suspeitas”, fixadas no n.º 2 do artigo 13.º da CRP. Nada disso está em causa no juízo agora efetuado pelo Tribunal, uma vez que o que esse juízo censura é a desigualdade existente entre o mesmo grupo de pessoas. É apenas a este estrito domínio – que o Acórdão qualifica como “o âmbito da relação interna” do princípio da igualdade, respeitante portanto apenas ao “círculo dos destinatários das normas [sob juízo]” – que se aplica o disposto no artigo 13.º da CRP. Mas com que sentido se aplica? O sentido tradicional da proibição do arbítrio também não parece ser, para o caso, adequado. É que é difícil conceber que se considere como arbitrária, isto é, não racionalmente fundada, ou ininteligível de acordo com critérios de racionalidade intersubjectivamente aceites uma opção legislativa de “limitação de acumulação de pensões”, que limite essa cumulação em função de uma redução apenas da pensão de sobre- vivência. Poder-se-ia discutir a constitucionalidade da opção legislativa noutra sede e noutro lugar que não a do princípio da igualdade: uma vez que o legislador entendeu – por motivos de interesse público que o Acórdão rigorosamente identifica – instituir limites à acumulação entre pensão de sobrevivência e outra pensão afetando apenas o montante da primeira, poder-se-ia discutir se a tutela constitucional da pensão de sobrevivência é menos intensa do que a tutela conferida a outras pensões. Não foi contudo esse o caminho que o Acórdão seguiu, uma vez que entendeu que nenhum problema se colocava quanto à proteção da “con- fiança” que os titulares dos direitos, neste caso afetados, tinham “investido” na continuidade do Direito. Não tendo sido esse o caminho seguido, como considerar arbitráriaa referida “desigualdade interna”, ao ponto de se considerar também inconstitucional (por violação do artigo 13.º da CRP), o facto de não ser alvo de qualquer redução [do montante da pensão] quem for apenas titular da pensão de sobrevivência? O entendimento que aqui se faz da “igualdade” parece, portanto, ser ainda um outro, que não o decor- rente da fórmula tradicional da proibição do arbítrio. Mas a meu ver não se entende bem qual seja: é que é difícil aceitar que o legislador ordinário esteja constitucionalmente vinculado a configurar a medida de limitação da acumulação de pensões tendo em conta o rendimento global que decorre dessa acumulação a partir do disposto no do artigo 13.º da CRP. Por todas estas razões, desta decisão, como das outras tomadas neste caso no sentido da inconstitucio- nalidade, radicalmente me afasto. – Maria Lúcia Amaral.

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