TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

249 acórdão n.º 413/14 Por isso, o que mais impressiona no raciocínio do Acórdão é que se contente com uma avaliação da perda remuneratória dos trabalhadores do setor público em 2014 face à sua própria situação em anos ante- riores, assumindo que os níveis remuneratórios no setor privado para os diferentes níveis de rendimento são, normativamente ou de facto, insuscetíveis de sofrer qualquer flutuação durante um período de quatro anos (2011-2014). Se assim não é numa economia de mercado mesmo em período de crescimento económico, não o será seguramente num contexto de crise económica e financeira. Como impressiona sobremaneira o facto de o Tribunal, depois de não ter declarado a inconstitucionalidade da norma que concretizava a introdução de uma medida que estabelecia uma redução remuneratória dos trabalhadores do setor público, prevista na LOE 2011, vir agora, rever a sua posição. É certo que, comparativamente com a medida validada pelo Tribunal no Acórdão n.º 396/11, a medida ora em apreciação é redesenhada em aspetos não-irrelevantes que se traduzem, na prática, num agravamento da redução da retribuição mensal. Simplesmente, verifica-se, por outro lado, uma diferença entre a LOE 2011 e a LOE 2014 que o Tribunal não valora devidamente. É que, quando a LOE 2011 foi aprovada no Parlamento, em novembro de 2010, Portugal não estava ainda sujeito ao programa de ajustamento económico e financeiro, acordado, em maio de 2011, entre o Governo de Portugal e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Se no Acórdão n.º 396/11, se considerou justificada a introdução da redução remuneratória na LOE 2011 à margem de uma situação de emergência financeira, em que, apesar de tudo, a República Portuguesa ainda conseguia obter financiamento nos mercados financeiros através do mecanismo normal de emissão de dívida pública, não parece que se possa, sobretudo num controlo de evidência, negar relevância à sobrevigência de uma situação em que a República, impossibilitada de emitir dívida a uma taxa de juro comportável, se viu na necessidade de negociar um empréstimo internacional e de se submeter às condições exigidas pelos credores, não apenas em termos de calendarização de objetivos de consolidação orçamental, mas obrigando-se a ado- tar um conjunto de medidas concretas, nos termos de um programa de assistência económica e financeira, sujeitas a revisão regular. Mesmo que fosse de atribuir relevância jurídico-constitucional ao agravamento da medida – o que, num controlo de evidência, é impossível – seguramente que a alteração do contexto que determinou a reconfiguração da medida deveria ter sido devidamente valorada. Em meu entender, não o foi. A lógica que, quanto a este ponto central, o Tribunal segue – a de que, à medida que o tempo de “ajus- tamento” ia passando, ia também crescendo a obrigação para o legislador ordinário de procurar outras vias que não estas de redução de despesa – parece-me incompatível com a margem de liberdade, larguíssima, que dever reconhecer-se ao legislador na prognose dos factos (cfr. supra, ponto 1). 5. A mesma falta de rigor na determinação do conteúdo do parâmetro constitucional invocado, e a mesma incerteza, daí decorrente, quanto à previsibilidade da orientação futura do Tribunal está patente, segundo creio, no juízo de invalidade relativo às normas constantes dos n. os 1 e 2 do artigo 115.º da lei orça- mental, respeitantes às contribuições em caso de subsídio de desemprego e doença. Depois de o legislador ordinário ter, na sequência da decisão proferida pelo Acórdão n.º 187/13, estabe- lecido uma cláusula de salvaguarda que impede que a aplicação da contribuição sobre prestações de desem- prego e doença possa prejudicar a garantia do valor mínimo das prestações que resulte do regime aplicável a qualquer das situações, a presente decisão vem agora dizer (argumentando que tal se encontrava já dito in nuce na sua jurisprudência de 2013) que tal não é suficiente para fazer cumprir a Constituição. O fundamento para tanto invocado é o do princípio da razoabilidade, que nunca antes tinha sido apre- sentado como parâmetro único de invalidação de uma norma legislativa com força obrigatória geral. Num só parágrafo, define-se o conteúdo do princípio. Trata-se, segundo o Tribunal, de um parâmetro de validade da norma legislativa que “surge relacionado com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito”, mas que se autonomiza deste último na medida em que através dele se acentuam “as consequências da imposição [legislativa] na esfera pessoal daquele que é afetado.” Com esta definição, fica-se sem saber o que é que, no domínio da fixação dos montantes de prestações sociais em caso de doença e desemprego se poderá considerar como razoável, e, portanto, conforme com a Constituição. A dúvida é tanto mais grave

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