TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL geral da igualdade, deveria sempre o Tribunal precisar com cuidado quais os critérios gerais (e estáveis) que presidiriam à opção por um ou outro “modelo” de controlo. 4. Não foi porém, a meu ver, isso que se fez no presente Acórdão, a propósito do juízo de inconstitu- cionalidade da norma sobre reduções remuneratórias. Na sequência de decisões suas anteriores (Acórdãos n. os  396/01, 353/12 e 187/13), o Tribunal dá um passo de gigante na interpretação que faz do princípio da igualdade, abandonando a fórmula da proibição do arbítrio e abandonando também os caminhos próprios da “nova fórmula”, inaugurada em 1993. Daqui decorre uma constrição da liberdade de conformação do legislador que toda a jurisprudência anterior [sedimentada até há pouco tempo] não deixava antever; que não surge, em minha opinião, minimamente justificada; e que, por isso mesmo, torna absolutamente impre- visível a atuação futura do Tribunal. A forma como vem identificado o novo princípio, que surge como fundamento único da decisão de inconstitucionalidade, é ela própria muito variável. Invocando a sua jurisprudência de 2011, 2012, e 2013 (onde se falava a este propósito de igualdade proporcional, enquanto “elemento estruturante do Estado de direito)”, o Acórdão refere-se agora tanto a um “princípio de proibição do excesso em termos de igualdade proporcional”, quanto a um “princípio de igualdade perante os encargos públicos”, ou ainda a um princípio de “equitativa adequação”. Mas basicamente, o que o novo princípio diz – independentemente do nomen que se lhe dê – é que o artigo 13.º da CRP habilita o Tribunal a proceder, a propósito do artigo 33.º da Lei do Orçamento do Estado, a um duplo teste: (i) saber se o fundamento da diferença [que leva a que só os funcionários públicos, e não os demais trabalhadores por conta d’outrem, sejam alvo de reduções remune- ratórias em contexto de crise económica] é arbitrária ou racionalmente fundada; (ii) saber se a medida dessa diferença é ou não excessiva, aqui se contendo a dimensão da proporcionalidade. E entendendo o Acórdão, em harmonia com jurisprudência que remonta a 2011, que é negativa a resposta ao primeiro teste (a medida legislativa não seria pelo seu fundamento arbitrária), também em concordância com as decisões de 2011, 2012 e 2013 conclui, apesar disso, pelo juízo de inconstitucionalidade, por entender que é positiva a resposta ao segundo “teste”: a medida seria excessiva, por ir além dos “limites do sacrifício” imposto pelas reduções remuneratórias. Mas como medir aqui o excesso? Como saber a partir de quando é que se ultrapassaram os limites do sacrifício? Como saber exatamente qual o parâmetro de juízo que aqui foi aplicado? Terá sido o decorrente simplesmente do princípio da proporcionalidade? À primeira vista dir-se-ia que sim, visto que a funda- mentação do Acórdão se estriba, essencialmente, na medição do quantum da redução remuneratória que os sacrificados já sofreram (numa análise que se restringe à comparação das relações intragrupo, ou seja, à comparação entre o nível de remuneração que o mesmo grupo de pessoas tinha antes e tem agora), daí se retirando a evidência do excesso do sacrifício. No entanto, a aplicação do “teste” da proporcionalidade com estes resultados pressuporia a assunção do princípio segundo o qual as pessoas afetadas teriam um direito fundamental à não redução dos seus montantes remuneratórios, direito esse que teria sido excessivamente restringido pelo legislador ordinário, com as consequências decorrentes da parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Contudo, o Tribunal diz – e di-lo desde 2011 – que não parte do entendimento segundo o qual o direito à não afetação do montante da remuneração seja um direito fundamental. Assim sendo, volta a perguntar-se: qual é então o parâmetro do juízo? O princípio da igualdade consa- grado no artigo 13.º da CRP, com o recurso ao duplo escrutínio que a “proibição do excesso no contexto de igualdade” conferiria ao Tribunal? Por definição, tal pressuporia a possibilidade de comparar as diferenças de níveis remuneratórios, não entre pessoas pertencentes ao mesmo grupo, e, nelas, entre níveis remuneratórios presentes e níveis remuneratórios passados, mas entre grupos distintos de pessoas, que aqui seriam aquelas que exercem funções de emprego público, por um lado, e aquelas que se “empregam” no setor privado, por outro. Mas também não é isso que é feito: aliás, nem poderia ter sido feito, visto que sempre seria impossível ao Tribunal, com os poderes de que dispõe, avaliar exatamente a “medida da diferença” existente entre as remunerações dos assalariados públicos e privados.

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