TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
247 acórdão n.º 413/14 segundo o qual a lei não tinha “afetado” nenhum direito que fosse fundamental, de harmonia com as pre- missas metódicas de que parti o seu juízo deveria ter sido o da evidência e a densidade do seu escrutínio de grau mínimo. Não o foi. Por isso, entendo que com esta decisão o Tribunal invadiu um campo que pertencia ao legislador; e que, por ter agido à margem das exigências metódicas que são próprias da argumentação jurídico-constitucional, não deixa para o futuro qualquer bússola orientadora sobre o conteúdo da sua pró- pria jurisprudência, e sobre o entendimento que tem quanto aos limites do seu próprio poder. 3. A meu ver, assim é, desde logo, com o juízo de inconstitucionalidade sobre as normas constantes do artigo 33.º (reduções remuneratórias). Como já se disse, foi esse juízo fundado, apenas, em violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade de que fala o artigo 13.º não é uma “igualdade” qualquer. Não é um programa geral de filosofia política ou de tarefas do Estado, pois que essas são matérias não sindicáveis pela função jurisdicio- nal. A igualdade a que se refere o artigo 13.º da CRP é a igualdade jurídica, elemento do Estado de direito, que se traduz na igualdade de todos quanto à aplicação da lei – ou seja, em vínculos que impendem sobre a função administrativa (legalidade e imparcialidade da administração) e sobre a função jurisdicional (neutra- lidade dos tribunais) – e na igualdade de todos através da lei – que se traduz, por seu turno, em vínculos que impendem sobre o próprio legislador. No entanto, e como legislar significa, por essência, definir regimes diferenciados para as situações da vida que o requeiram, desde cedo se identificou o vínculo que impende especificamente sobre o legislador à luz do princípio da igualdade como proibição do arbítrio, ou como proibição de introdução, pelo mesmo legislador, de diferenças entre as pessoas insuscetíveis de serem compreendidas através de quaisquer critérios de racionalidade intersubjetivamente aceitáveis. Esta “fórmula”, adotada pela jurisprudência do Tribunal na sequência da doutrina fixada pela Comissão Constitucional, correspondia ao património comum da ciência do direito público europeia sobre a matéria (construído a partir da obra seminal de Leibhoz, de 1925), e pretendia dar prioritariamente resposta ao problema da distribuição de competências entre a justiça consti- tucional e o legislador, num domínio em que o poder de escrutínio da primeira se deveria limitar – como já vimos – a um grau mínimo de evidência. Não tem naturalmente cabimento proceder, numa declaração de voto, a uma análise da evolução da jurisprudência do Tribunal sobre esta matéria. Mas importa dizer que só a partir do Acórdão n.º 330/93, o qual recebeu a neue Formel do Tribunal Constitucional Federal alemão, é que o Tribunal Constitucional português, considerando insuficiente a fórmula da proibição do arbítrio, passou a admitir que pudesse haver violação do princípio da igualdade para além das situações de arbítrio legislativo. No plano dogmático, aquilo a que a “nova fórmula” conduz é a um acréscimo da intensidade de escrutínio por parte da justiça constitucional e, portanto, a uma redução da margem de livre conformação do legislador. Esta última será tanto mais reduzida – diz a “nova fórmula” – quanto mais forte for a projeção da desigualdade de tratamento no exercício de direitos de liberdade, ou quanto mais as características pessoais com base nas quais é feita a diferenciação entre os grupos de cidadãos se aproximarem das chamadas «categorias suspeitas», enunciadas, na CRP, no n.º 2 do artigo 13.º Porém, tal não significou o abandono da fórmula da proibição do arbítrio por parte da jurisprudência posterior. Por isso, caberia sempre ao Tribunal a elaboração de critérios suficientemente estáveis para deter- minar quais as situações em que se deveria recorrer a cada uma das fórmulas, dado resultar, da aplicação de uma ou de outra, diferentes consequências quanto ao grau de intensidade do escrutínio adotado e, logo, quanto ao grau de constrangimento da liberdade conformadora do legislador. Dizendo de outro modo: haveria sempre que justificar com cuidado por que motivos se aplicariam a certos domínios da vida o “teste mínimo” da proibição do arbítrio e a outros um teste mais “largo”, com con- sequências mais restritivas da liberdade de conformação do legislador. Não sendo constitucionalmente proi- bida, em certas circunstâncias, a adoção de um escrutínio mais intenso a propósito da aplicação do princípio
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