TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

246 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exigindo-se três anos consecutivos de resultados líquidos positivos – à luz dos resultados de exercício ante- riores e do grau de dependência financeira externa de tais empresas, tornam muito improvável, no horizonte de vida dos atuais beneficiários, que o pagamento dos complementos de pensão volte a ter lugar. – Fernando Vaz Ventura. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencida quanto à declaração de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 33.º, 115.º, n. os 1 e 2, e 117.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014. Entendo que com esta decisão o Tri- bunal restringiu indevidamente a liberdade de conformação política do legislador ordinário, e que o fez de forma tal que da sua argumentação se não pode extrair qualquer critério material percetível que confira para o futuro uma bússola orientadora acerca dos limites (e do conteúdo) da sua própria jurisprudência. Entendo ainda que tal aconteceu por não terem sido seguidas na fundamentação exigências básicas do método jurí- dico quando aplicado a assuntos constitucionais, de cujo cumprimento depende o traçar rigoroso da fron- teira entre o que significa julgar em direito constitucional e o que significa atuar por qualquer outra forma. Dentro dessas exigências, salientarei apenas o seguinte, que me parece, para o caso, central. Não se invalida uma norma editada pelo legislador democraticamente legitimado invocando para tal apenas a violação de um princípio (seja ele o da igualdade ou da proporcionalidade) se se não apresentarem como fundamento para o juízo razões que sustentem a evidência da violação. Além disso, o Tribunal, quando escrutina uma medida legislativa tendo como parâmetro apenas um princípio, não pode partir da assunção segundo a qual o legislador penetrou num domínio material que lhe não pertencia. Essa assunção só será legítima – e mesmo assim, necessitada, evidentemente, de posterior reexame crítico – quando a norma da lei ordinária que se tem que julgar “afetar”, ou aparenta “afetar”, no sentido lato do termo, um direito das pes- soas que seja determinado e determinável a nível constitucional. Aí, pode partir-se do ponto de vista segundo o qual, prima facie , o legislador terá penetrado numa área de competência que lhe não pertencia, uma vez que lesado terá sido um direito das pessoas que se não encontrava à sua disposição. Mas para além destas hipóteses, em que se não considera portanto que o problema jurídico-constitucional que tem que resolver-se se consubstancia na afetação, por parte do legislador ordinário, de um direito fundamental, o Tribunal não pode nunca partir do princípio segundo o qual o legislador terá atuado para além da sua competência. Quer isto dizer que, nestas situações, o controlo do Tribunal, além de ser um controlo de evidência, deverá ter sempre uma intensidade mínima. A conclusão não pode senão reforçar-se quando estão em causa interações complexas, com repercussões sistémicas imprevisíveis, nas quais não pode deixar de reconhecer-se ao legisla- dor uma amplíssima margem de liberdade para efetuar juízos de prognose. Para além deste ponto, que me parece fundamental, um outro há que interessa salientar. As normas constitucionais que têm a estrutura de um princípio são, por causa da indeterminação do seu conteúdo, normas de dificílima interpretação. A “descoberta” do sentido destas normas enquanto parâmetros autónomos de vinculação do legislador tem sido portanto feita, gradual e prudencialmente, tanto na Europa quanto na tradição mais antiga norte-americana, em trabalho conjunto da doutrina e da jurisprudência. A razão por que tal sucede é a de evitar saltos imprevisíveis na compreensão do conteúdo destes princípios. 2. No caso presente, o Tribunal julgou inconstitucionais as normas constantes do Orçamento do Estado para 2014 com fundamento em violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e do princípio da proporcionalidade (artigo 2.º da CRP). A violação da igualdade foi a razão invocada para declarar a incons- titucionalidade da norma sobre reduções remuneratórias (artigo 33.º da LOE) e daquela outra sobre pensões de sobrevivência (artigo 117.º da LOE). Por seu turno, a violação da proporcionalidade foi a razão invocada para declarar a inconstitucionalidade das normas relativas às contribuições em caso de subsídio de doença e desemprego (artigo 115.º da LOE). Como em qualquer um destes casos o Tribunal partiu do princípio

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