TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

245 acórdão n.º 413/14 e ex-trabalhadores de tais empresas da convicção de que os acordos que estipularam tais benefícios obedece- ram à vontade estadual, sendo compagináveis tanto com as orientações estratégicas executadas, como com a viabilidade dos entes que assumiam tais responsabilidades, atenta a dimensão de interesse económico geral e o relevo social do respetivo objeto empresarial. Por outro lado, entendo que as expectativas de continuidade dos trabalhadores e ex-trabalhadores rela- tivamente a tais benefícios são legítimas, justificadas e assentes em boas razões. Os complementos de pensão integram a política de remunerações de uma empresa, constituindo meca- nismos de atração e de retenção de colaboradores, na medida em que asseguram aos membros da organização produtiva segurança económica, removendo o receio de perda de poder de compra na velhice. Nessa medida, representam uma forma de investimento da empresa no “capital humano”, que proporciona aos seus servido- res um maior desempenho e uma maior produtividade, cujo retorno é refletido positivamente nos respetivos resultados operacionais. Acolhendo uma visão jurídico-constitucional da atividade empresarial pública que não tenha como vetor único a maximização do retorno do capital investido, e integre na sua racionalidade de gestão políticas responsáveis do ponto de vista social, incluindo na dimensão (interna) de resposta a neces- sidades sociais dos seus colaboradores – contributo essencial para o desenvolvimento sustentável e compro- vadamente gerador de resultados positivos a longo prazo para qualquer empresa, como se sublinha no Livro Verde Promover um Quadro Europeu para a Responsabilidade Social das Empresas, COM(2001) 366 Final, e na resolução do Parlamento Europeu que sobre ele incidiu, onde se afirma que “há um consenso global cada vez maior, no seio das empresas e nos círculos de investidores, de que têm uma missão mais vasta do que apenas a de gerar lucros e que o desafio do seu sucesso consiste na combinação entre rentabilidade, sustentabilidade e responsabilidade” ( Jornal Oficial C187E de 07/08/2003, pp. 180-188) – entendo que os complementos de pensão em apreço não estão à margem do sistema de recompensas pecuniárias pela laboração em empresa do SEE, sendo nessa medida indissociáveis da sua operacionalidade. A sua racionalidade poderá encontrar-se no seio da estratégia remuneratória, não como uma espécie de cláusulas de repartição de lucro, ou como benefícios contingentes, mas como compensação em prestações futuras pelos serviços dos trabalhadores, sendo por estes interiorizados como integrando responsabilidades a respeitar e a satisfazer em condições não inferiores àquelas assumidas pela empresa para com os demais credores. O trabalhador comum do universo empresarial abrangido será naturalmente impressionado pela natureza e dimensão das empresas envolvidas, compondo uma garantia de solvabilidade que, em todo o caso, não está em condições plenas de avaliar. Essa avaliação cabe, em primeira linha, aos órgãos de gestão e aos poderes públicos com posição de influência e de tutela, agindo o trabalhador beneficiário na convicção, de boa fé, de que não é celebrado acordo que se sabe não poder ser cumprido. Face à particular intensidade da posição de confiança criada, que atinge uma opção de vida crucial – a passagem à reforma – e irreversível – o trabalhador não pode mais completar a sua carreira contributiva de forma a diminuir, quando possível, o diferencial entre a remuneração no ativo e na reforma – considero que as razões de interesse público invocadas para a edição da norma não atingem peso prevalecente sobre o investimento de confiança legítima em presença, ponderando o leque limitado de sujeitos e o concreto valor envolvido, que do ponto de vista das empresas não atinge montantes de gastos com o pessoal muito signifi- cativos, enquanto na perspetiva dos trabalhadores e ex-trabalhadores amputa uma percentagem considerável dos rendimentos respetivos. Sendo verdade que, ao reduzir os gastos com pessoal das empresas públicas visa- das, a medida em apreço contribui para a redução das transferências do Orçamento do Estado que lhes são destinadas, a fim de compensar situação deficitária, existem razões para considerar não justificada a opção do legislador. Mesmo considerando a reclassificação de algumas das empresas em causa, e a consequente integra- ção no perímetro de consolidação das contas públicas, com efeitos diretos sobre o défice e a dívida pública, essa condição não é imputável, de forma alguma, aos seus trabalhadores ou ex-trabalhadores. Releva para o balanceamento entre a afetação desfavorável dos interesses particulares e as razões de inte- resse público invocadas pelo legislador que deparamos, em termos práticos, com uma verdadeira ablação, e não perante mera suspensão. As condições de retoma dos pagamentos – em que não basta o equilíbrio,

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