TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

244 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por tais razões, dissenti da decisão quanto à inconstitucionalidade das normas do artigo 117.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. 4. Encontro-me vencido quanto ao juízo de não inconstitucionalidade que versa as normas constantes do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (complementos de pensão), constante da alínea d) da decisão, pois pronunciei-me pela formulação de juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição. Diferentemente da posição que encontrou vencimento, não creio que a ponderação da atuação do Estado, na sua veste de acionista, em particular quando em posição dominante, deva quedar-se pelo plano meramente formal, inteiramente descomprometido das principais decisões tomadas pelos titulares dos seus órgãos em aspetos relevantes de política remuneratória, relativamente aos vários entes que integram o Sector Empresarial do Estado (SEE). Numa visão material de Estado, que tenha em atenção toda a dimensão con- formadora da atuação Estado administrador no SEE, creio que existem boas razões para considerar que as posições subjetivas que decorrem dos vários acordos de empresa em que se estipulam a concessão de comple- mentos de pensões, não só foram permitidas, como corresponderam a orientações estratégicas das empresas dimanadas dos poderes públicos. É certo que Tribunal não está em condições de determinar com precisão quais as empresas e os trabalhado- res e ex-trabalhadores afetados, mas não é menos certo que o interesse fundamentador da medida expresso no Relatório OE remete para a “viabilização financeira do SEE na área dos transportes”. Ora, creio existir evidência de que tais benefícios pós emprego foram concedidos e mantiveram-se por influência determinante dos poderes públicos nos órgãos de tais empresas. Tenha-se em atenção, a título de exemplo, o que é dito por exemplo no Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas n.º 30/2009, relativo aos exercícios económicos de 2003 a 2007 da Carris, S. A. (disponível http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2009/audit-dgtc-rel030-2009-2s.pdf ) . Sinaliza-se nesse texto a ausência de contabilização dos encargos futuros com complementos de pen- sões, em desrespeito da Diretriz Contabilística n.º 19, apenas registando como custo do exercício os com- plementos pagos, o que significava que, quando adicionados esses encargos, o capital social encontrava-se completamente perdido, determinando a aplicação do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Perante essa realidade, a Assembleia Geral da Carris deliberou, em 11 de abril de 2006: “O accionista está ciente da situação de insuficiência dos capitais próprios da Carris e dos défices de exploração sistemá- ticos evidenciados pelas contas da Empresa, não obstante as compensações indemnizatórias concedidas, encontrando-se a ponderar as medidas que se mostrem adequadas bem como a definição das orientações estratégicas” e, quase dois anos mais tarde, em 25 de março de 2008, “(…) a matéria relativa ao artigo 35.º do CSC, não seja objeto de deliberação na presente Assembleia Geral, uma vez que não se encontram reunidas as condições para o Accionista Estado se pronunciar sobre a mesma”. Daí que tenha o Tribunal de Contas concluído: “Tais deliberações demonstram a incapacidade do accionista Estado de encontrar uma solução célere para esta Empresa de Serviço de Interesse Económico Geral, portanto estratégica, contribuindo, dessa forma, para a sua crescente degradação financeira. Nestas circunstâncias, se a Carris não fosse uma empresa do Sector Empresarial do Estado a sua continuidade seria dificilmente viável, logo abrangida pelas soluções preconizadas no artigo 35.º do CSC”. Ou seja, apesar dos desequilíbrios repetidamente registados, que a sustentabilidade da empresa não se encontrava em risco, pois há muito que ocorrera o “alarme” – sucessiva- mente ignorado – e a necessidade de racionalização de custos. Neste contexto, partilhado por outras empresas do setor público empresarial no domínio dos transpor- tes, entre as quais o Metropolitano de Lisboa, não comungo da ideia de que o distanciamento – na forma – face à “entidade pública mãe” será por si só idóneo a afastar o preenchimento do primeiro teste do princípio da confiança. Ao invés, entendo que a medida em apreço atinge expectativas de estabilidade do regime jurí- dico relativos ao quadro normativo dos benefícios pós laborais relativos a complementos de pensões induzi- das e alimentados por comportamentos dos poderes públicos, nas vestes de Estado Administrador. Do ponto de vista material, entendo existir fundamento para imputar aos poderes públicos a criação nos trabalhadores

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=