TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
242 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL As decisões das administrações das empresas pretenderam, como estratégia empresarial seguramente apoiada pelo Governo, reduzir os recursos humanos das empresas e daí as propostas de reformas ante- cipadas, preço dessa redução. Os trabalhadores que as aceitaram, acreditando na sua seriedade, fizeram uma opção que não fariam noutras circunstâncias, opção essa irreversível. Acreditaram na estabilidade da situação económica resultante de um verdadeiro contrato com a empresa, contrato que o Governo vem agora violar (bem ao contrário do respeito escrupuloso que exibe por outros contratos, muito mais lesivos dos contribuintes), impondo-lhes uma redução, em muitos casos drástica, dos seus rendimentos. II – Considero que o regime estabelecido no artigo 117.º do Orçamento do Estado para 2014 norma não ofende qualquer norma ou princípio constitucional. Será, quando muito, um regime de racionalidade e economicidade duvidosas, mas tal não acarreta a sua inconstitucionalidade. Julgo que existem razões para a norma (1) atingir somente as acumulações de pensões, (2) para o fazer de forma distinta consoante o maior ou menor peso relativo da pensão de sobrevivência no conjunto dos rendimentos provenientes de pensões e ainda, (3) para não se aplicar àqueles que apenas auferem pensão de sobrevivência, independentemente do montante desta. Atingir apenas pensões é uma opção discutível do legislador, mas compreensível, à luz da preocupação com a sustentabilidade da segurança social. Atingir mais fortemente os pensionistas que, acumulando pensões, auferem pensões de sobrevivência de montante mais elevado, afigura-se razoável, conside- rando que a pensão de sobrevivência é uma segunda pensão, que o próprio acórdão reconhece não ter a estabilidade da primeira (ponto 98., penúltimo parágrafo). Poupar aqueles que apenas recebem pensão de sobrevivência faz sentido, pois a pensão de sobrevivência é, para estes, a primeira (e única pensão). E “estes” serão, na sua maioria, mulheres, que dedicaram a sua vida ao trabalho não remunerado para a sua família. III – A restrição de efeitos ex nunc da declaração de inconstitucionalidade do artigo 33.º do Orçamento do Estado para 2014, possibilitando a salvaguarda dos efeitos da norma declarada inconstitucional durante quase metade do período de vigência do Orçamento, constitui um claro e inaceitável “benefício do infrator”, tanto mais de lamentar quanto a situação se vem repetindo, ano após ano. Acresce que os argumentos utilizados pelo Tribunal para fundar a declaração de inconstitucionalidade traduziram um juízo especialmente severo sobre a norma em causa. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Pronunciei-me pela inconstitucionalidade das normas do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (redução remuneratória), nos termos da alínea a) da decisão, por razões que radicam em toda a expressão diferenciadora da medida, a qual considero desrespeitar o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, de acordo com o entendimento que exprimi em declaração de voto aposta no Acórdão n.º 187/13, e para a qual remeto. Considero mesmo que a fixação de um novo patamar remuneratório res- salta ainda mais evidente, na medida em que o seu enquadramento fundamentador afasta-se da invocação da emergente necessidade de sacrifício conjuntural, e da excecionalidade da redução salarial, descobrindo o pro- pósito de intervenção duradouramente corretiva sobre o que se qualifica como “padrão de iniquidade entre o público e privado”. É a esta luz, e não como resposta temporária e transitória a emergentes necessidades de consolidação das contas públicas, que encaro a nova, e mais acentuada, medida de afetação remuneratória imposta a quem recebe por verbas públicas.
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