TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL afasta o juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbí- trio, formulado na alínea c) da decisão. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem sustentado em matéria de proibição do arbítrio o seguinte entendimento (cfr. o Acórdão n.º 546/11): «[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque inte- grantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz cons- titucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sis- tema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garan- tir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.» No artigo 117.º da LOE para 2014, o legislador, considerando a especificidade do instituto da pensão de sobrevivência enquanto “compensação dos familiares da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte do beneficiário” ancorada numa presunção do contributo de tais rendimentos para a economia do agregado familiar (cfr. também neste sentido o Acórdão n.º 651/09), optou por intervir no respetivo cálculo sempre que a mesma pensão juntamente com pensões de outra natureza onere o orçamento da segu- rança social acima de um dado valor. Esta opção implica não apenas penalizar as pensões de sobrevivência por confronto com pensões de outra natureza, como também desconsiderar outras fontes de rendimento que não as pensões ou situações em que a pensão de sobrevivência é a única pensão auferida, já que a lógica da solução legal não é análoga à tributária, atuando sobre a capacidade contributiva; mas sim racionalizadora das situações de acumulação de pensões, em ordem a desonerar financeiramente o respetivo sistema. 3.1. Nesta perspetiva, quem aufere unicamente uma pensão de sobrevivência de valor igual ou superior a € 2000 (cfr. o artigo 117.º, n.º 15, da LOE para 2014) não está numa situação idêntica à de quem percebe um valor global mensal a título de pensão igual ou superior a € 2000, em resultado da soma do valor da pensão de sobrevivência com o valor de pensões de outra natureza. Com efeito, na ótica do legislador, não é principalmente a condição de recursos ou a capacidade contributiva que releva, mas exclusivamente a situa- ção de acumulação de pensões. Podia não ser assim, e o legislador considerar relevante o nível de rendimentos globalmente auferido pelo beneficiário a título de pensões – porventura, até seria essa a solução mais ade- quada numa perspetiva de maximização dos objetivos do legislador (a diminuição dos encargos da segurança social e o consequente reforço da sua sustentabilidade financeira). Porém, o legislador entendeu prosseguir os seus objetivos mediante a consideração apenas das situações de cumulação de pensões, restringindo-as.
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