TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL défice no mesmo ano), quer ainda as razões decorrentes das obrigações mais estritas assumidas pelo Estado português por via da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2013, do Tratado sobre a Estabilidade, Coorde- nação e Governação Económica na União Europeia de 2 de março de 2012 [ Diário da República , 1.ª série, n.º 127, de 3 de julho de 2012 e Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, com a redação da Lei n.º 37/2013, de 14 de junho, que a republicou)]. Ocontrolo constitucional agora convocadopara as normas constantes do artigo33.º daLei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2014, não pode contudo deixar de ponderar, por um lado, aquele interesse público e, por outro lado, a previsão de outras medidas que, embora sem alcance universal, contribuem de algum modo para a repartição diversa dos encargos públicos. Por isso se entende que, não obstante a medida de redução remuneratória, na sua nova configuração, impor na sua globalidade, face à configuração das anteriores medidas de redução remuneratória, um esforço acrescido aos que auferem remunerações por verbas públicas – e, em especial, ao segmento intermédio mais afetado pelo abaixamento do limiar remuneratório de aplicação do coeficiente máximo de redução – não se verifica de forma evidente a desigualdade de tratamento na repartição dos encargos públicos que justifique um juízo de inconstitucionalidade por se encontrarem ultrapassados os limites do sacrifício. Assim, e sendo certo que, com a medida de redução remuneratória reconfigurada, os trabalhadores que auferem por verbas públicas se mostram mais onerados na distribuição dos encargos públicos, por compara- ção com os trabalhadores que não recebem por verbas públicas, a diferença de tratamento, fundamentada na diferença de posições dos abrangidos e dos excluídos da medida em causa, não se afigura excessiva e despro- porcionada, enquanto expressão de uma medida ainda excecional e (como se assume no Relatório do Orça- mento do Estado para 2014) com caráter transitório, não definitiva, justificada em face do interesse público de contenção da despesa pública e de redução do défice para tanto invocado – de modo a que este se venha a conter nos limites do défice admissível à luz das obrigações decorrentes do Direito da União Europeia. Não obstante subsiste, em nosso entender, uma questão que deve ser apreciada, não na perspetiva da medida da diferença entre os destinatários das medidas em causa e os demais cidadãos, mas na perspetiva dos efeitos da medida dentro do universo dos seus destinatários. Com efeito, na sua formulação reconfigurada face ao desenho da medida, também de redução remune- ratória, constante das normas dos Orçamentos do Estado de anos anteriores – e como se revela evidente por aplicação do n.º 1, primeira parte, do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – a medida de «redução remuneratória» prevista naquele artigo 33.º abrange trabalhadores do setor público pagos por verbas públicas que auferemmenores rendimentos, já que o limiar de aplicação da mesma se situa, agora, em 675 euros mensais, estando este limite não muito longe do mínimo de existência em termos de rendimento líquido de imposto previsto no n.º 1 do artigo 70.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Ora merecerá especial tutela a situação daqueles que, auferindo retribuições mais baixas, ainda são abrangidos pela medida em análise. A medida deve ser apreciada tendo em conta a remuneração anual no seu todo considerada e o impacto sobre a capacidade de fazer face à subsistência, a práticas vivenciais em razão do agregado familiar compatíveis com uma existência condigna e autónoma e a encargos e compromissos assumidos. Não se afigura desrazoável supor que no segmento de rendimentos que constitui o limiar de apli- cação da medida em causa (675 euros mensais) – e também nos segmentos que deste estejam próximos que não eram afetados pelas anteriores medidas de redução remuneratória – o rendimento disponível para fazer face a onerações de rendimento justificadas por motivos de interesse público seja muito diminuto ou mesmo inexistente, por todo o rendimento ser alocado à satisfação de necessidades essenciais inerentes à existência e a compromissos básicos que concorram para essa existência, como o custo da habitação, da alimentação, da saúde e dos transporte – e outros custos, designadamente os derivados de outros direitos fundamentais como o direito à educação ou o acesso à cultura. Com efeito, e de acordo com os dados do Inquérito às Despesas das Famílias 2010/2011 elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (disponível em http://ine.pt ), a des- pesa total média de um agregado (sem crianças dependentes) composto por dois adultos não idosos cifra-se em 19 946 euros, a que corresponde uma despesa média mensal de 1662 euros e de 831 euros per capita

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