TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
228 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, os atingidos pela medida em análise tomaram decisões irreversíveis que definiram os dias do resto das suas vidas, em função do contratualizado, pelo que o objetivo de obter uma poupança orçamental não pode justificar a frustração de tais expectativas. Tal desproporção resulta, simultaneamente, numa restrição inadmissível ao direito à contratação cole- tiva e numa violação do princípio da confiança inerente a um Estado de direito democrático. 2. Fiquei também vencido quanto à restrição de efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por entender que o facto do Tribunal em Acórdãos anteriores ter admitido o corte de salários estabelecido no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (entre 3,5% a 10%, a partir de € 1500), apenas justificava que procedesse a uma limitação parcial desses efeitos, que abrangesse somente esse segmento ideal das normas constantes do referido artigo 33.º, e não a esten- desse, como o fez, a todo o conteúdo das normas. Fora do âmbito desse segmento ideal, os interesses das pessoas afetadas por uma intervenção ilegítima do legislador, designadamente aqueles que auferem baixos salários e aqueles que viram desmesuradamente agravado o corte dos seus vencimentos, deveriam ter sido salvaguardados, valendo aí a regra geral da eficá- cia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, consagrada no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição, que obrigasse à reposição da parte dos salários que foi ilegitimamente retirada ao abrigo de uma norma ferida de inconstitucionalidade. Só assim se faria uma justa composição entre os interesses públicos invocados no Acórdão e os interesses particulares afetados. 3. No que respeita aos fundamentos da declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 117.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entendo que os vícios da mesma não se reduzem à violação duma exigência de igualdade entre os afetados pela nova fórmula de cálculo das pensões de sobrevi- vência aplicada a quem cumula pensões. Na verdade, tais normas também violam o princípio da proteção da confiança inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, e o princípio da igualdade, con- sagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, na medida em que apenas afetam aqueles que cumulam a pensão de sobrevivência com outra pensão. A opção do legislador de apenas determinar a aplicação da nova fórmula de cálculo das pensões de sobre- vivência a quem também receba outras pensões não foi minimamente fundamentada, não se vislumbrando qualquer razão que a justifique, pelo que tal medida, ao intervir de forma perfeitamente assistemática e avulsa no regime de pensões, revela-se incapaz, pelas razões que o Tribunal já enunciou no Acórdão n.º 862/13, de justificar a violação das legítimas expectativas de quem já aufere essas pensões, violando o princípio da confiança inerente a um Estado de direito democrático. Além disso, a diferença instituída entre quem cumula uma pensão de sobrevivência com outras pensões e quem a aufere como rendimento único ou a cumula com outro tipo de rendimentos é arbitrária, por que não tem a justificá-la um fundamento racionalmente inteligível, sobrecarregando gratuita e injustificada- mente uma parte do universo das pessoas que aufere pensões de sobrevivência, violando também nesta dimensão externa o princípio da igualdade. – João Cura Mariano. DECLARAÇÃO DE VOTO A) Divergi parcialmente da decisão expressa na alínea a) da Decisão do presente Acórdão no que res- peita às normas do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Redução remuneratória), pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.
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