TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
226 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Nos termos do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional. No caso, ao determinar a cessação de efeitos da norma que impõe a redução salarial, a declaração de inconstitu- cionalidade produzirá um efeito restitutivo dos valores da redução dela resultante, considerada contrária à Constituição. I. e. , como os efeitos regra previstos na Lei Fundamental são efeitos retroativos, tal significaria a reposição da totalidade do valor indevidamente não pago desde o início do ano, ou seja, desde a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014, na qual se inscreve a norma que impôs as reduções, agora declarada inconstitucional. Estes efeitos regra, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, apenas por razões de segurança jurídica, razões de equidade ou de interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, podem ser substituídos por efeitos de alcance mais restrito. Tem-se entendido que os efeitos mais restritos são efeitos temporalmente mais limitados: efeitos ex nunc , ou seja, efeitos que se produzem somente a partir da declaração de inconstitucionalidade da norma (muito embora o Tribunal Constitucional tenha considerado, em 2012, de forma inovadora e com o meu voto de vencida, que poderia determinar a suspensão de efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma norma do orçamento até ao final do ano, havendo implicado, na prática, que esta produzisse a plenitude dos seus efeitos, apesar de haver sido declarada inconstitucional). A meu ver, as razões apresentadas pela maioria não têm força suficiente para fundamentar o desvio aos efeitos regra. O interesse público, que não foi, afinal, suficiente para credenciar constitucionalmente a impo- sição das medidas de redução, continua, a meu ver, a não ser fundamento suficiente para permitir a restrição temporal de efeitos da declaração de inconstitucionalidade das normas que as sustentam, salvaguardando a poupança líquida de despesa pública já obtida pelo Estado em resultado das reduções remuneratórias (a meu ver reiteradamente) inconstitucionais, em detrimento do pesado sacrifício dos cidadãos. Considerar o contrário, seria admitir que os sacrifícios impostos, que a maioria considerou inconstitu- cionais, poderiam, ainda assim, ser suportados pelos seus destinatários durante quase metade do ano. Não vejo que o interesse público invocado deva prevalecer. Sublinhe-se que a restrição de efeitos onera em particular grupos de rendimentos especialmente sensí- veis a variações, que foram sujeitos às medidas agora declaradas inconstitucionais, e que, assim, se vêem irre- mediavelmente impedidos de recuperar o que perderam por efeito de soluções violadoras da Constituição. Entre estes destinatários encontram-se pessoas já em situação de grande carência, como aqueles que auferem rendimentos mais baixos, designadamente os que passaram a ser afetados pela redução salarial em 2014. 4. É possível sustentar-se que é bastante elevado o valor resultante da reposição em causa, já que, com os efeitos regra se determinaria a devolução de toda a redução remuneratória, incluindo, até, uma parte da redução salarial que, anteriormente, este Tribunal não considerou inconstitucional. Embora reconhecendo que o Tribunal não censurou, no passado, a redução remuneratória anterior- mente imposta (tendo eu ficado vencida no Acórdão n.º 187/13) – pelo que seria possível sustentar-se que, nessa parte, os efeitos da norma deveriam ser salvos – não deixa de ser muito duvidoso que a Constituição, no n.º 4 do artigo 282.º, admita uma modelação, não apenas temporal, mas também do próprio conteúdo que permita salvar apenas parte da redução remuneratória, até ao valor antes não censurado, já que, na verdade, a norma agora declarada inconstitucional não repristina, a meu ver, a norma anteriormente em vigor (que era orçamental, tendo de ser renovada em cada ano). A norma aplicada no ano anterior – que a maioria não censurou em 2013 –, não é, sequer, parcialmente sobreponível com a que agora se declara inconstitucional: varia nas taxas de redução aplicadas; varia nos intervalos mínimos e máximos fixados; atinge um universo não completamente coincidente de destinatários quando consideramos as anteriores normas de redução remuneratória. Não vejo que o Tribunal deva utilizar a modelação de efeitos temporais ao seu alcance para colmatar uma possibilidade que a Constituição lhe nega, que é a de estratificar a decisão.
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