TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
223 acórdão n.º 413/14 regulamentação coletiva, pelo período convencionado, por um lado, e que, naturalmente, aqueles que os adotam possam com eles contar para a conformação da sua vida, por outro. O respeito pela contratação coletiva em si mesma considerada (e constitucionalmente prevista) obriga a que se respeitem as expectativas, dignas de tutela, que os instrumentos de regulamentação coletiva geraram. A meu ver, independentemente da natureza das matérias em causa, ou seja, independentemente de o objeto da contratação coletiva integrar a reserva de convenção coletiva, a confiança que a contratação cole- tiva em si mesma pressupõe, e que é base da sua essência, condição fundamental da sua existência, sempre imporia o respeito pelos conteúdos antes negociados, até ao final dos períodos contratualmente estipulados. A confiança é, afinal, crucial ao exercício pleno da liberdade de contratação coletiva, dotando-a de sentido. Por ser assim, o legislador não pode atingir de forma tão significativa os instrumentos de regulamenta- ção coletiva de trabalho já celebrados e em vigor, sem com isso ferir de modo excessivo a confiança dos con- traentes na longevidade antecipadamente fixada do instrumento de regulamentação coletiva, e, consequen- temente, afetando a garantia da própria contratação coletiva. A quebra do acordo celebrado, por imposição legal, com as suas consequências lesivas, constitui uma ablação significativa da confiança nos instrumentos de regulação coletiva, frustrando a certeza que as partes haviam depositado na manutenção do acordado. Acresce que, no caso da atribuição dos complementos de pensão, em muitas situações, os beneficiários condicionaram decisões relativas ao seu contrato de trabalho na expectativa do recebimento destes complemen- tos. Por outro lado, os que optaram por deixar a vida ativa têm neste complemento parte da sua subsistência, em muitos casos bastante significativa. Nalgumas situações, na origem da opção de antecipação do abandono da vida ativa esteve a expectativa da receção do complemento acordado. E esta opção conduziu, relembre-se, à redução de pessoal, com a consequente vantagem da redução de despesas com pessoal por parte da empresa. Tudo ponderado, e em associação com o princípio da proteção da confiança, enquanto decorrência do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, tem-se por violada a garantia da contratação coletiva instituída pelo artigo 56.º, n.º 3, da Constituição. 4. Mesmo que se sustente que, nalguns casos, a atribuição do complemento de pensões possa resultar, por exemplo, de um contrato individual de trabalho, pelo que não estaria em causa a violação da contratação coletiva, em qualquer dos casos, a alteração do quadro normativo, que contende com o anteriormente insti- tuído, seja por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, seja por contrato individual de trabalho, sempre violaria o princípio da proporcionalidade: os benefícios que decorrem para o interesse público da aplicação desta medida tendente a alcançar a consolidação das contas públicas (a poupança obtida é de cerca de 11,3 milhões de euros) são pouco significativos quando consideramos os encargos muito pesados para os trabalhadores que são afetados no complemento de pensão. Relembre-se que quem se encontra já a receber um complemento de pensão está, na maioria das vezes, em situação irreversível, não dispondo de alternati- vas para refazer a sua vida do ponto de vista profissional. Por outro lado, em muitos casos, as desvantagens impostas podem chegar a níveis muito elevados do seu rendimento. Há, assim, um desequilíbrio entre o fraco benefício coletivo e as muito significativas desvantagens para os afetados, não se vislumbrando que existam razões superiores de interesse público aptas a justificar a suspensão dos complementos de pensão. Em suma, atendendo ao diminuto contributo do valor correspondente à poupança em causa, para a prossecução do interesse coletivo, por um lado, e as legítimas expectativas dos particulares e os pesados sacri- fícios que a solução acarreta, por outro, não poderíamos deixar de concluir, ao contrário da maioria, pela desproporção da solução, considerando violado o princípio da proporcionalidade. C. Artigo 117.º – Novo regime de cálculo/recálculo das pensões de sobrevivência 1. Subscrevi a decisão de inconstitucionalidade do artigo 117.º da LOE 2014 [alínea c) ] e, no essencial, a sua fundamentação ancorada na violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição.
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