TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É que, em meu entender, para que o legislador fique autorizado a afetar a remuneração não basta que não resulte evidente que uma solução que afete a remuneração não serve para o fim (legítimo) visado. Ou que não seja manifesto que a solução escolhida não é a menos restritiva para atingir a finalidade legítima, de entre as soluções igualmente eficazes para o atingir. Nem basta que não seja absolutamente claro que atendendo à gravidade do sacrifício imposto a solução seja excessiva ou desrazoável. No caso, apesar das razões de interesse público, dignas de proteção, a medida já não respeita o princípio da proporcionalidade: ainda que a medida seja idónea (adequada) para a realização de um fim legítimo, o tempo decorrido e a exigência de encontrar outras opções (desde 2011) impunha que a ela se tivessem encon- trado alternativas, deixando de se poder invocar que esta seria a única, certa e imediatamente quantificável. Por outro lado, no caso da norma em apreciação, sempre teria de ser considerada a dureza do sacrifício imposto, não apenas nos escalões de rendimento mais baixos, mas também noutros escalões que são agora sujeitos a um esforço adicional que se acentua de modo significativo em 2014, e levando ainda em consideração o esforço acumulado ( id est , a acumulação da ablação de rendimentos sofrida ao longo dos anos). O prejuízo sofrido por estes destinatários ao longo do tempo não se limitou a estas reduções remuneratórias reiteradas: sofreram, entre outras medidas, a supressão efetiva do subsídio de férias e de Natal em 2012; foram afetados pelo aumento do horário de trabalho para 40 horas; pela redução adicional na compensação sobre o valor do pagamento do trabalho extraordinário; pela alteração das regras das ajudas de custo nas deslocações em serviço, pela proibição de valorizações remuneratórias decorrentes de promoções ou progressões; pelo aumento da con- tribuição para a ADSE; pelo agravamento fiscal que atingiu todos os trabalhadores (reduções de escalões de IRS, aumento das taxas; imposição de uma sobretaxa de 3,5% no IRS; redução de deduções à coleta…). Atingido tal esforço sacrificial, não pode deixar de se considerar que ainda que a solução legislativa se destine a uma finalidade reconhecidamente legítima, se tornou insuportável a reiteração das medidas, tendo- -se por violado o princípio da proporcionalidade. B. Artigo 75.º da LOE 2014 – Complementos de pensão 1. Fiquei vencida quanto à decisão de considerar não desconforme com a Constituição a norma do artigo 75.º, relativa aos complementos de pensão [alínea d) da decisão]. 2. Discordei, desde logo, das considerações sobre o aspeto de regime infraconstitucional que o Acórdão elabora – para, afinal, admitir que a posição assumida é geradora de dúvidas –, discordando, ainda, da carac- terização da medida. 3. Quanto à questão de constitucionalidade: o artigo 75.º da LOE 2014, ao suspender o pagamento de complementos de pensão anteriormente acordados entre as empresas e os trabalhadores, suspende, unilate- ralmente, disposições livremente acordadas entre as partes, impedindo, para futuro, com termo indefinido, o estabelecimento de derrogações à regra da suspensão dos complementos. A norma não se limita a afastar a possibilidade da introdução de complementos de pensão para o futuro, suspende, igualmente, a eficácia das situações anteriormente acordadas. Uma vez que a atribuição de tais prestações complementares resultou de instrumento de regulamentação coletiva anteriormente fixado, a disposição legal que agora as suspende viola o artigo 56.º, n.º 3, da Constitui- ção – que garante a contratação coletiva – ao pôr em causa a contratação coletiva em si mesma. Já em ocasião anterior (Acórdão n.º 602/13) votei (vencida) a inconstitucionalidade de norma (então, do Código do Traba- lho) que determinava a suspensão da eficácia de anterior resultado de exercício de autonomia contratual cole- tiva, por violação associada do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, e do direito de contratação coletiva. Algumas dessas considerações são genericamente válidas no caso em apreço. A existência de um direito à contratação coletiva com um mínimo de conteúdo útil exige que o legis- lador respeite as expectativas fundadas na continuidade da vinculação resultante dos instrumentos de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=