TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
221 acórdão n.º 413/14 redução salarial, sistematicamente apresentadas como as únicas eficazes para obtenção de uma quantia certa e determinada num curto prazo. Já em 2013 o Tribunal Constitucional entendeu, quanto à redução remuneratória em que se traduziu a suspensão do pagamento de subsídio de férias pelo orçamento de 2013 – embora não retirando do argu- mento as devidas consequências quanto às reduções remuneratórias em si mesmas – que «não servia de jus- tificação que essa fosse ainda a única medida com efeitos seguros e imediatos na redução do défice e a única opção para garantir a prossecução do objetivo traçado». Já no Acórdão de 2013, na mencionada declaração de voto, sustentei que volvidos três sucessivos exercícios orçamentais, o corte de remunerações, três vezes reiterado, não encontrava já respaldo na Constituição. O argu- mento, fundamental, do resultado imediato da solução perdera-se, e tornara-se incompreensível a invocação da imperatividade ou da natureza insubstituível da medida para a preservação da capacidade financeira do Estado, por não haver soluções alternativas, de outra natureza, através das quais se chegasse a igual valor certo. Em 2014, encontrando-nos no 4.º ano de previsão de redução remuneratória, o decurso do tempo reforça o argumento de que se não pode continuar a invocar ser a redução (agora, ainda mais agravada) a única forma de, atuando pelo lado da despesa, e com eficácia certa e imediata, atingir os objetivos pretendi- dos de redução do défice. O decurso do tempo impõe um acréscimo de exigência no sentido de serem encontradas alternativas que evitem o prolongamento da medida. Mesmo não se considerando ultrapassada a difícil situação económica nacional, no 4.º ano consecutivo, a afetação das remunerações de quem recebe por verbas públicas não pode já dar-se por justificada – não basta que esteja preordenada à realização de legítimos objetivos orçamentais, essenciais ao reequilíbrio das contas públicas. O argumento da eficácia imediata, da indiscutível urgência e imprescindibilidade, já não são suficientes para fundamentar a indispensabilidade desta medida para a obtenção de efeitos seguros e imediatos (aliás, diferentemente do Acórdão, vejo nas medidas de agravamento fiscal em sede de IRC um sinal da existência de alternativas). 4. Não se pretende com estas considerações afirmar que ao legislador esteja vedado reduzir as prestações remuneratórias fixadas. Admito uma intervenção limitadora – que atinja o valor dessas prestações, afetando um direito social – desde que existam razões suficientemente ponderosas para essa afetação (o que é diferente de aceitar qualquer justificação desde que não seja evidente que tal justificação não serve). Só com uma justificação forte a contrapartida pela prestação do trabalho pode ser diminuída, e na con- dição de serem, ainda, observados os princípios estruturantes do Estado de direito. Para que se afete o direito à remuneração – aqui, no seu quantum – o legislador terá de respeitar os princípios constitucionais estruturantes, e de apresentar uma justificação robusta – que invocou, em 2010 (condições excecionais e extremamente adversas; medidas seriam indispensáveis ao reequilíbrio das contas públicas e apresentavam-se como mais eficazes do que outras, sendo o modo mais certo e rápido de obtenção da verba imediatamente necessária). Em 2010, considerando o montante e a temporalidade da medida, essa justificação foi aceite pelo Tribunal Constitucional como sendo suficientemente forte. Só aquela medida seria apta, pela urgência e necessidade de certeza. Para que, em 2014, se ponha em causa a remuneração, voltando a sacrificar os mesmos para além do que já lhes foi imposto ao longo do tempo, tem de ser apresentada uma razão suficientemente forte. Significa, portanto, que o legislador, quando afeta um salário fixado, não está somente limitado pelo respeito de um limiar mínimo, balizado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pelo direito a um mínimo de subsistência condigna. Não se diga que a escolha das alternativas ainda cabe na liberdade do legislador, por, num juízo de evi- dência, não ser possível atestar que uma tal medida não é apta a atingir o seu fim, ou que não é indispensável para a sua prossecução, ou que não resulta evidente a sua desproporção.
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