TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

217 acórdão n.º 413/14 Ora, a determinação da diferença entre os rendimentos provenientes de verbas públicas e os rendi- mentos provenientes de outras fontes é difícil de medir, se não mesmo impossível, pois as “medidas de austeridade” também atingiram esses rendimentos. Como comparar aqueles que apenas têm rendimentos prediais ou empresariais, sujeitos a um aumento significativo do IMI e do IVA, com o quantum de redução remuneratória?  No Acórdão n.º 187/13 ainda se considerou que a “medida de diferenciação” corresponde ao coefi- ciente de redução salarial porque os trabalhadores da Administração Pública atingidos pela norma, sendo sujeitos passivos de imposto, ficaram a dispor de «menor capacidade económica para satisfazer o aumento de encargos fiscais que foi imposto generalizadamente a todos os cidadãos». A extensão da diferenciação foi assim medida pela menor capacidade contributiva causada pela redução remuneratória. Mas este argumento, que parece ser decisivo na aplicação do princípio da “igualdade proporcional”, não pode servir de suporte à diferenciação, uma vez que se há menor capacidade contributiva também o imposto a pagar será menor. Isto é, o grau de sacrifício que vai implicado na redução remuneratória não se pode medir pelo mesmo grau de sacrifício que os contribuintes suportam em consequência do pagamento dos seus impostos, pois a perda de rendimentos (sacrifício) é proporcional à diminuição da carga fiscal e desse modo continua a ser assegurada a igualdade de sacrifícios. De modo que, a repartição igual dos encargos fiscais não é afetada pela redução remuneratória imposta pelas normas impugnadas. A posição que obteve vencimento no presente Acórdão não faz referência àquela diferenciação, mas também não indica qual a extensão da diferença entre os grupos em comparação, com base na qual se deve aferir da proporcionalidade do tratamento diferenciado. Aceita-se que há uma diferença entre os atingidos e os excluídos pelas normas impugnadas – os rendimentos daqueles provêm de verbas públicas – mas não se explicita qual a medida dessa diferença. Ora, a nosso ver, para aferir da “justa medida” da redução de remunerações não é necessário verificar se, à luz do objetivo da consolidação orçamental, há um tratamento desigual relativamente aos demais deten- tores de capacidade contributiva. Tal como acontece numa empresa privada, o Estado-administração pode cortar nas despesas com o pessoal que o serve, tendo com vista a salvaguarda da sua solvabilidade, sem que seja necessário tomar em conta a igualdade de resultados relativamente aos titulares de rendimentos de outra fonte. De resto, no contexto que dá sentido às normas impugnadas, tentar encontrar uma justificação racional para a “diferenciação” acaba por se legitimar cortes excessivos, sem que seja violado o princípio da igualdade. Na verdade, ao localizar-se a razão justificativa da diferenciação na “eficácia imediata” na redução da despesa do Estado, tanto se legitima uma redução de 10% como se valida uma redução de 12% ou mais. E será difícil sustentar, como parece resultar da posição que obteve vencimento, que a eficácia imediata justifica a diferen- ciação dentro de certa medida, mas não justifica o agravamento dessa medida devido à perda de “consistência valorativa” pelo decurso do tempo. É que, se o argumento da eficácia perdeu consistência, tanto perdeu para a medida de diferenciação inicial como para o seu agravamento. Isto não significa que as normas do artigo 33.º da LOE2014 estejam totalmente imunes à censura jurídico-constitucional, pois têm ainda que ser confrontadas com o princípio da proporcionalidade. Quer se entenda que o quantum de retribuição tem natureza jusfundamental, como parece ser mais defensável, quer se entenda que a Constituição não o garante, como se defende no presente Acórdão, as medidas legislativas que o restringem ou conformam têm que ser adequadas, exigíveis e proporcionais para se alcançar o fim pretendido, seja por decorrência do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, seja com fundamento no princípio do Estado de direito ínsito no artigo 2.º da CRP. Que a redução remuneratória é apropriada ao fim de consolidação orçamental pelo lado da despesa é uma evidência: o impacto orçamental na redução da despesa pública é estimado em 643 milhões de euros (cfr. Relatório do OE 2014 ). E também é defensável considerar tal medida temporária como um meio menos limitativo ou menos lesivo que a cessação do vínculo laboral ou a colocação na situação de requalificação,

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