TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
        
 216 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se detetando qualquer irrazoabilidade ou incongruência com os fins declarados, a opção pela consolidação orçamental através do aumento da receita ou da diminuição da despesa cai no âmbito da liberdade de con- formação legislativa. Ora, não se questionando a adequação teleológica daquela solução, nem há inconstitucionalidade mate- rial por violação dos fins constitucionalmente prescritos, nem o mérito da escolha política daquele fim pode ser abalado pelo juiz constitucional. Nesta parte, uma atitude de self restraint na fiscalização da medida foi logo tomada no Acórdão n.º 396/11, onde se julgou que «o não prescindir-se de uma redução de vencimen- tos, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de atuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador». Assente que o legislador é livre de escolher o fim visado pelas normas impugnadas, que é um pressuposto ou um dado de aplicação do princípio da igualdade, só por referência a esse fim é que se pode determinar quais as pessoas ou as situações que implicam um tratamento igual ou desigual. Ao escolher a consolidação orçamental através da redução da despesa com pessoal, o legislador pré-definiu os objetos a comparar, uma vez que só a diminuição dos rendimentos pagos por verbas públicas é capaz de conseguir aquele objetivo. Essa pré-decisão conduz inevitavelmente a um determinado resultado de comparação: para efeitos de con- solidação orçamental, os rendimentos provenientes de verbas públicas não são iguais aos rendimentos pro- venientes de outras fontes. Dir-se-á que o princípio da igualdade se cumpre com a existência de uma justificação material bastante para se qualificar de forma desigual aqueles rendimentos. A diferenciação no modo de tratar os rendimentos afetados respeita a norma de proibição do arbítrio porque, tratando-se rendimentos provenientes do Orça- mento do Estado, há uma razão justificativa para o tratamento diferenciado: a eficácia imediata para uma consolidação a curto prazo (cfr. Acórdãos n. os 396/11, 352/12 e 187/13). Mas, ainda que seja possível estabelecer uma relação entre os diversos rendimentos e que critério da fonte de rendimentos possa suportar a diferenciação criada pelas normas impugnadas, a circunstância dos titulares de rendimentos não provenientes de verbas públicas não poderem ser afetados por medidas susce- tíveis de reduzir a despesa pública, torna inviável a determinação da medida exata da diferença. De facto, a igualdade como proibição do desequilíbrio, um controlo mais intenso que tem vindo a ser efetuado pela jurisprudência constitucional, implica um juízo de ponderação entre a extensão da diferenciação e a extensão das diferenças objetivas detetadas entre as situações de facto que são objeto de comparação. Mas, sem recurso a outros critérios ou termos de comparação conexionados com o fim a atingir, como determinar as diferenças entre os rendimentos de origem pública e os rendimentos de outras fontes, como os do trabalho do setor privado, empresariais, profissionais, de capitais, prediais, etc? Se a comparação fosse feita entre trabalhadores remunerados por verbas públicas e demais trabalhadores por conta de outrem, a extensão da diferença ainda poderia ser determinada através de certos elementos relacionadores, como o nível médio de remunerações, a maior ou menor segurança no emprego ou até a situação jurídico-funcional globalmente considerada de cada elemento do par comparativo. Nos Acórdãos n. os 353/12 e 187/13 não se considerou razoável e idóneo valorar as situações a comparar em função desses critérios materiais, quer pela diversidade de funções no setor público, quer pela circunstância de só as situa- ções de pleno emprego poderem ser atingidas pelas medidas legislativas. A verdade é que, em vista do fim de consolidação orçamental, a irrazoabilidade não está na escolha daqueles critérios valorativos, mas sim na determinação das situações relevantes que foram tratadas diferente- mente pela lei. Para aquele objetivo, que é de interesse nacional, quem recebe rendimentos a partir de verbas inscritas no orçamento do Estado deve ser comparado com todos os que pertencem à categoria dos deten- tores de capacidade contributiva. Dentro deste universo, os trabalhadores remunerados por verbas públicas foram diferenciados pelo maior efeito que a redução remuneratória pode ter na consolidação orçamental e na salvaguarda da solvabilidade do Estado.
        
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