TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

215 acórdão n.º 413/14 1. A declaração de inconstitucionalidade das normas do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013 (LOE2014), sustentada pela posição maioritária, fundamenta-se na desconformidade com o princípio da igualdade perante os encargos públicos, uma vez que a diferenciação estabelecida entre quem recebe por verbas públi- cas e os titulares de rendimentos provenientes de outras fontes, apesar de ter fundamento legítimo, excede a medida da diferença constitucionalmente tolerada entre uns e outros. Em nosso entender, o parâmetro jurídico-constitucional invocado, assim como a aplicação que dele é feita, não é capaz de justificar a ilegitimidade constitucional da redução remuneratória imposta nas normas impugnadas. A igualdade nos encargos, uma das manifestações do princípio da igualdade, significa que os encargos públicos devem ser repartidos de forma igual pelos cidadãos ( v. g. igualdade na tributação) e, no caso de existir um sacrifício especial de um indivíduo ou de grupo de indivíduos em benefício do interesse público, que os sacrificados devam ser compensados por esse prejuízo ( v. g. igualdade nos vínculos expropriatórios ou quase expropriatórios). Na primeira dimensão, o princípio da igualdade perante os encargos públicos cumpre-se com a uni- versalidade da medida legislativa, repartindo-se o encargo por «todos» com base no mesmo critério. Assim acontece com os impostos, que incidem sobre todos os cidadãos segundo o critério da capacidade econó- mica (artigos 106.º, n.º 1, e 107.º da CRP). Neste caso, a desigualdade da situação económica de cada um é superada com o critério da capacidade contributiva, que exclui do campo de incidência dos impostos as pessoas que não disponham dessa capacidade e que impõe que os contribuintes com a mesma capacidade económica paguem os mesmos impostos e os que tenham diferente capacidade paguem diferentes impostos. Quer dizer: a igualdade de tributação afere-se (e mede-se) através do critério (tertium comparationis ) da capa- cidade contributiva, que se exprime através da imposição aos contribuintes de um sacrifício proporcional a favor do estado. Na segunda dimensão, em que existe uma imposição desigual de encargos a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos em benefício da comunidade, o princípio da igualdade perante encargos públicos é tra- dicionalmente invocado para justificar a compensação pela desigualdade criada. Perante um ato violador do princípio da igualdade, na medida em que uns destinatários são atingidos de modo desigual em comparação com outros, a igualdade é reparada ou restabelecida através de uma indemnização que compense o sacrifício especial por eles suportado. Significa isto que a violação do princípio da igualdade não impõe a invalidade do ato sacrificial, exigindo antes uma medida compensatória que vise restabelecer a igualdade jurídica ou material violada. Ora, as normas impugnadas não convocam qualquer das referidas dimensões do princípio da igualdade: não concretizam ou estabelecem uma medida (ou proporção) de capacidade contributiva, pois o fim ime- diato é a consolidação orçamental ou redução do défice orçamental através da redução da despesa com pes- soal; nem visam transformar a violação do princípio da igualdade em compensação de sacrifício patrimonial suportado pela desigualdade na distribuição de encargos públicos. Para se estabelecer uma conexão relevante com a primeira dimensão do princípio da igualdade perante os encargos públicos, a única que poderia ser convocada, a fiscalização judicial teria que incidir sobre a legi- timidade do fim escolhido: a igualdade perante os encargos públicos exigiria que as medidas de consolidação orçamental fossem tomadas através do pagamento de impostos, com o correspondente aumento da receita, e não através da diminuição da despesa. Como a igualdade no contributo para os encargos públicos, segundo o critério selecionado pela Constituição, assenta na capacidade contributiva de cada um, só uma atuação pelo lado da receita era capaz de garantir o respeito por aquele princípio; já uma atuação pelo lado da despesa, como é o caso da redução remuneratória, nunca poderia ter caráter universal (não discriminatório), dada a impossibilidade do legislador impor igual medida aos trabalhadores do setor privado, assim como aos titula- res de rendimentos provenientes de outras fontes. Simplesmente, não sendo evidente a desconformidade do fim imanente das normas do artigo 33.º da LOE – consolidação orçamental através da redução da despesa – com os fins expressos na Constituição, nem

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