TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL matéria em questão ou das circunstâncias ( v. g. , os efeitos ressalvados da norma abarcam apenas algumas das situações ou casos que seriam afetados). Todas estas hipóteses decorrem do artigo 282.º, n.º 4, que não contém uma mera alternativa entre eficácia ex tunc ou ex nunc da decisão, mas confere expressamente o poder ao Tribunal Constitucional de fixar os efeitos da sua decisão salvaguardando determinadas situações cons- tituídas ou determinadas dimensões normativas da norma julgada inconstitucional, durante certo período de tempo (C. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, tomo II, Coimbra Editora, 2011, pp. 268-270, 337 segs.; R. Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade, Universidade Católica Portuguesa 1999, pp. 673-674, 696 segs.; V. Canas, Introdução às Decisões de Provimento do Tribunal Constitucional, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, pp. 195-196). De facto, se o preceito dá competência ao Tribunal para retirar a eficácia regra (ex tunc) à totalidade da decisão, então tem de se reconhecer a competência do Tribunal para restringir efeitos em menor medida. A decisão de limitação dos efeitos e a medida dessa limitação dependem da existência de um sacrifício desproporcionado da segurança jurídica, da equidade ou de interesse público de excecional relevo e do grau desse sacrifício. Daqui resulta o caráter limitado do poder do Tribunal de manipulação de efeitos, uma vez que não se trata de um espaço de absoluta discricionariedade. De facto, a Constituição não pretende trans- formar o Tribunal Constitucional em órgão de decisão ou ponderação política de interesses – nomeadamente quando se refere a “interesse público de especial relevo” – pois esta apenas cabe ao decisor político democra- ticamente legitimado. Tal seria, aliás, desconforme com os princípios do Estado de direito democrático e da separação de poderes. A restrição, em determinado caso, de efeitos com esta base terá, assim, de encontrar fundamentação sempre num determinado princípio constitucional e na sua ponderação. 21. Assim, numa situação como a presente, tendo em conta o efeito regra da declaração de inconstitu- cionalidade e face ao impacto que esse efeito teria sobre o interesse público de especial relevo invocado – o evitar a perda para o Estado da poupança líquida de despesa pública – deve o Tribunal Constitucional pro- ceder à restrição dos efeitos. Deve fazê-lo, no entanto, de acordo com o princípio da proporcionalidade, na estrita medida do necessário, exercendo as suas competências. Se o Tribunal Constitucional ao declarar a norma inconstitucional, na sua totalidade, abrange uma redução remuneratória para que reconhece existir fundamento constitucional bastante, então apenas em relação a essa dimensão se justifica a restrição de efeitos. Não a abranger, seria desproporcionadamente lesivo do interesse público, porque o Tribunal Constitucional já admitiu a não inconstitucionalidade dessa redução. Todavia permitir a preservação dos efeitos já produzidos pela norma relativamente aos titulares do direito às remunerações que foram inconstitucionalmente privados de parte do seu rendimento, tendo em conta o seu peso financeiro nas contas do Estado, por um lado, e as consequências de privação de rendimento nos visados, por outro, em especial no que respeita aos escalões mais baixos de remuneração, já não encontra adequada cobertura no interesse público invocado, configurando um sacrifício excessivo. Para a decisão sobre a restrição de efeitos, não é relevante o facto de a norma ser ou não incindível. Esse argumento é importante quando se está a apreciar a inconstitucionalidade da norma. No entanto, neste momento, está-se a apreciar os efeitos da sua declaração de inconstitucionalidade e nesse âmbito, o Tribunal Constitucional tem competência autónoma e independente da estrutura da norma, no respeito pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição. – Maria de Fátima Mata-Mouros. Declaração de voto Vencido parcialmente quanto à declaração de inconstitucionalidade expressa na alínea a) , vencido quanto à alínea b) e não acompanho parte da fundamentação constante da declaração de inconstitucionali- dade da alínea c) , pelas seguintes razões essenciais.
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