TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o teste da igualdade configura uma comparação entre grupos de destinatários de normas e regimes respeti- vamente aplicáveis. É esta diferença de estrutura identificável na comparação do princípio da igualdade com o princípio da proporcionalidade que permite compreender que uma mesma medida possa violar um princípio sem contrariar o outro. 14. Diferentemente do que sucede com o princípio da proporcionalidade, a dogmática do princípio da igualdade assenta na distinção entre razão justificativa da diferenciação e fim da norma que contém a diferenciação. Para o tratamento diferenciado terá sempre de haver uma razão justificativa (fundamento). A questão está, pois, em saber como determinar a verificação dessa justificação. Enquanto na “versão fraca” do princípio da igualdade esta avaliação é feita pela procura da existência de uma razão válida para a diferença de tratamento, na sua “versão forte”, o momento ponderativo do princípio não dispensa o escrutí- nio da própria avaliação realizada pelo legislador quando atribuiu peso determinante às razões que justificam a diferença de tratamento legislativo. 15. Esta fórmula mais exigente de controlo do princípio da igualdade (igualdade ponderada) compara duas grandezas, estabelecendo que a diferença identificável entre os grupos de pessoas em presença tem de ser de tal ordem e natureza que, num juízo de ponderação, justifique a diferença de tratamento adotada. Só diferenças objetivas e de relevo justificam uma diferença de tratamento, sendo que as diferenças têm de ser tanto maiores e de maior peso quanto mais grave for a diferença de tratamento. Portanto, ou as diferenças identificáveis são de dimensão e/ou de natureza tal que justificam o tratamento diferenciado adotado, e não há violação do princípio da igualdade, ou não são de ordem a justificar aquela diferença e há violação. Ora, uma tal avaliação implica a verificação da correspondência do tratamento diferenciado com o fim da norma, no cotejo das razões ponderáveis a favor e contra a diferenciação, tendo em conta o contexto fac- tual e normativo em que se insere a medida. Para avaliar a correspondência da diferença de tratamento com as diferenças identificadas nos diversos grupos de pessoas, importa, pois, começar por confrontar a medida diferenciadora adotada (sua natureza e dimensão) com as razões invocadas para a empreender. 16. Ora, quanto às razões invocadas para a diferenciação, o Acórdão aceita, como já referi (para além da razão de eficácia que já acima afastei), a perceção por um grupo de remuneração através de verbas públicas o que, nessa medida (“e apenas nessa medida” – n.º 30) os posiciona de “forma diferenciada perante o objetivo de consolidação orçamental definido a partir do cumprimento dos limites quantitativos anuais fixados para o défice, constituindo este um interesse público suficientemente percetível e constitucionalmente fundado para que nele possa continuar a fixar-se o ponto de referência implícito na ratio do tratamento distintivo a que aqueles trabalhadores se mantêm sujeitos”. Mais uma vez, não posso acompanhar a fundamentação do Acórdão neste ponto. A diferença anotada – da perceção por um grupo de remuneração através de verbas públicas – não revela natureza e relevância suficientes para justificar o grau de tratamento mais oneroso a que os trabalhadores do setor público estão sujeitos por via do artigo 33.º da LOE. Ela não constitui diferença objetiva que justifique a diferença de tratamento adotada. Na verdade, a diferença da perceção por verbas públicas, tendo embora inegável reflexo nas contas do Estado, não apresenta nenhuma relevância na delimitação do direito fundamental à retribuição de qualquer trabalhador. A garantia deste direito fundamental tem igual expressão para todos os trabalhadores. A Cons- tituição não distingue o grau de garantia que merece a remuneração dos trabalhadores do setor público, privado ou do terceiro setor (artigo 59.º, n.º 3, da Constituição). Não existe, pois, fundamento para a dis- criminação na redução dos vencimentos dos trabalhadores pela circunstância de a sua entidade empregadora ser um ente público ou privado. A solução legal proposta assenta numa ideia de poder dispositivo unilateral do Estado sobre as remunerações de todos os trabalhadores do setor público (poder que nenhum empregador

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