TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a. Quanto à declaração de inconstitucionalidade do artigo 117.º da LOE de 2014 2. Voto vencida quanto à declaração de inconstitucionalidade do artigo 117.º, n. os 1 a 7, 10 e 15, porque não acompanho o Acórdão quando este conclui pela violação do princípio da igualdade. Aceito que a norma em questão e a opção política tomada possam ser criticadas, mas rejeito que daí redunde a sua inconstitucio- nalidade por violação do princípio da igualdade. 3. Devo começar por referir que concordo, de uma forma geral, com o Acórdão, relativamente à não verificação de uma violação, por esta norma, do direito à propriedade, do princípio da tutela da confiança, do princípio da proporcionalidade – embora tenha dúvidas quanto à classificação como permanente, de uma medida que não revoga a legislação em vigor, se encontra prevista no orçamento e tem impacto orçamental. Também concordo com a não violação do princípio da igualdade no que diz respeito à relação entre os des- tinatários da norma (os titulares do direito à pensão de sobrevivência que a cumulam com outras pensões, quando o valor global do assim percebido seja superior a € 2000) e os titulares do direito à pensão de sobre- vivência que a cumulam com rendimentos de outras proveniências. Assim, a minha discordância diz respeito à fundamentação apresentada para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 117.º, por violação do princípio da igualdade no âmbito da relação interna. 4. O raciocínio do Tribunal Constitucional baseia-se, em grande medida, na qualificação da norma em causa como uma “condição de recursos” – da qual discordo. Não ignoro que a medida foi apresentada politicamente como a introdução de uma “condição de recur- sos” nas pensões de sobrevivência, nomeadamente no Relatório que acompanhou a proposta de OE (p. 59). No entanto, estes elementos interpretativos devem ser desconsiderados se contrariados por outros elementos de igual ou maior importância, como a letra da lei ou a teleologia da norma. Não deve partir-se de uma determinada qualificação a priori – apesar de apresentada pelo proponente da norma – para dela tirar conclu- sões quanto à interpretação do preceito, especialmente se essa qualificação tiver consequências relativamente à constitucionalidade do regime. Deve iniciar-se o raciocínio através da interpretação do preceito em causa, verificando-se se este é consentâneo com a sua qualificação como condição de recursos – o que, como já disse, é pelo menos duvidoso. Uma “condição de recursos” é, regra geral, uma cláusula que sujeita o direito à perceção de uma deter- minada prestação social (tipicamente no âmbito do subsistema de solidariedade) ao cumprimento de um determinado conjunto de requisitos, nomeadamente quanto à globalidade de rendimento disponível da pessoa em causa. Nos casos em que o valor de uma prestação social esteja dividido em escalões de montante da prestação, a condição de recursos também pode ser estabelecida de forma a limitar o acesso a alguns desses escalões. Neste último caso, pode dizer-se que a condição de recursos condiciona, de certa forma, o montante da prestação, na medida em que determina o escalão da prestação a que a pessoa tem direito mas, regra geral, não existe essa relação entre condição de recursos e montante de prestação. Assim, é de concluir que a norma decorrente do artigo 117.º não constitui uma “condição de recursos”. De facto, a análise do artigo 117.º revela uma medida de redução do montante das pensões de sobrevivência atribuídas ou a atribuir a partir de um determinado montante de valor global de pensões percebidas e tendo em conta esse valor, quando cumuladas com outras pensões. Isto é distinto da introdução de uma condição de recursos no âmbito das pensões de sobrevivência – nos termos referidos no parágrafo anterior (por exem- plo, através da introdução de um nível mínimo de rendimento a partir do qual se teria acesso à pensão de sobrevivência). A norma objeto de apreciação é, portanto, uma medida que visa regular a cumulação de pen- sões de sobrevivência com outras pensões, reduzindo o seu montante, e assim deve ser analisada. Traduz um objetivo legítimo, razoável e, pelo menos à partida, não inconstitucional. É esta também a qualificação que o Governo atribui à medida na “Nota” apensa a este processo (“conjunto de normas que regulam estritamente situações de acumulação de pensões, incidindo a sua dimensão restritiva unicamente sobre o montante da
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=