TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
197 acórdão n.º 413/14 Mas essa equiparação não tem fundamento. Reduções parciais do quantitativo de uma prestação social não podem ser consideradas uma expropriação parcial, por dois motivos essenciais. Não se trata, em primeiro lugar, da subtração, através de um ato jurídico, de uma posição jurídica concreta, mas da determinação, em termos gerais e abstratos, do conteúdo de toda uma categoria de direitos. Não pode esquecer-se, em segundo lugar, que estamos perante uma posição com uma forte componente social, tanto do ponto de vista genético como funcional, corres- pondente à participação num fundo comum de solidariedade, organizado pelo Estado, a partir de contribuições de todos os trabalhadores e das entidades empregadoras, e parcialmente financiado por transferências de verbas do orçamento geral do Estado. O que, inequivocamente afasta esta posição das que têm uma exclusiva fonte pessoal, da esfera própria do titular. […]» Desta jurisprudência decorre que a aplicação do novo regime de cálculo com a consequente redução do montante das pensões de sobrevivência apenas poderia colocar a questão da violação do direito à propriedade se se reconhecesse a existência de «um estrito princípio de correspetividade no âmbito da relação jurídica de segurança social, de modo a que existisse efetiva equivalência entre o montante das contribuições e o valor das prestações». A análise do regime legal conduz, no entanto, «a concluir que o cálculo do montante da pensão não corresponde à aplicação de um princípio de correspetividade que pudesse resultar da capitalização individual das contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se concretiza, num dos seus vetores, pela transferência de recursos entre cidadãos – cfr. artigo 8.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a) , da Lei n.º 4/2007» [neste sentido, João Loureiro, “Adeus ao Estado social? O insustentável peso do não-ter”, in Boletim da Faculdade de Direito , Vol. LXXXIII, (2007), pp. 168-169]. Para além de que, contrariamente ao que vem alegado, o regime de cálculo, recálculo e redução das pen- sões de sobrevivência, instituído pelo artigo 117.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, não determina em nenhum caso a ablação total da pensão de sobrevivência. Rejeitada que seja a inclusão desta medida no âmbito de proteção do n.º 2 do artigo 62.º da Constitui- ção, uma pronúncia definitiva sobre a questão de constitucionalidade fica sempre dependente do resultado da aplicação dos parâmetros de aferição que resultam dos princípios constitucionais da proteção da con- fiança, da proporcionalidade e da igualdade, que servem também de fundamento ao pedido. Violação do princípio da proteção da confiança 91. São conhecidos, e foram já aqui recordados, os critérios a que o Tribunal Constitucional dá relevân- cia para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança». Como se deixou exposto, o artigo 117.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 estabelece, mediante a aplicação de novas taxas de formação da pensão, um novo regime de cálculo das pensões de sobrevivência a atribuir e de recálculo e redução das pensões de sobrevivência em pagamento, e, desse modo, atinge direitos adquiridos, isto é, direitos que se encontram já reconhecidos ou podem sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários de atribuição da pensão, e direitos em formação, que correspondem aos períodos contributivos e valores de remunerações registadas em nome do beneficiário, quando ainda não tenha ocorrido o facto determinante da concessão da pensão. E não pode deixar de reconhecer-se que os destinatários das normas que são titulares de um direito à pensão já constituído e consolidado na sua esfera jurídica têm expectativas legítimas de receberem mensal- mente o montante da pensão calculado nos termos do regime vigente à data da atribuição do direito. No plano normativo, o legislador tem também atuado de forma capaz de gerar expectativas de continui- dade quanto à manutenção da ordem jurídica, não apenas porque tem proclamado nas leis de bases do sistema de segurança social um princípio de salvaguarda de direitos adquiridos, quer quanto aos prazos de garantia,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=