TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL verificar é se os termos em que a redução é efetivada se mostra conforme com os princípios da proteção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade que vêm também convocados como parâmetros de consti- tucionalidade. Violação do direito à propriedade 90. Os requerentes no Processo n.º 14/14 alegam que, na medida em que existe uma parcela das contri- buições pagas, identificada e quantificada, expressamente destinada à pensão de sobrevivência, está também em causa uma eventual restrição ilegítima de um direito análogo a um direito, liberdade e garantia, pois, através das presentes medidas de “reconfiguração”, o Estado apropria-se da contrapartida para a qual, e em nome da qual, recolheu especificas verbas, desviando-as – podendo-o fazer na totalidade – da finalidade anunciada aos que a suportaram, em regra ao longo de uma vida. Há, por isso, uma restrição desproporcio- nada do direito à propriedade que se traduz numa violação do artigo 62.º O Tribunal Constitucional, em termos que são plenamente transponíveis para o caso em apreço, deu já resposta a esta questão no Acórdão n.º 187/13, a propósito da norma da Lei do Orçamento do Estado para 2013 que suspendeu parcialmente o pagamento do subsídio de férias a aposentados e reformados. Afirmou-se, com base em elementos de direito comparado que foram então analisados, o seguinte: «[…] Por um lado, doutrina e jurisprudência têm procurado fundar a tutela dos pensionistas no direito de propriedade nas situações em que os catálogos de direitos fundamentais que definem o parâmetro de validade das medidas legislativas e/ou administrativas passíveis de pôr em causa os direitos adquiridos dos pensionistas não contêm disposições relativas a direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente, ao direito à segurança social. Por outro lado, os critérios doutrinais e jurisprudenciais avançados para delimitar as consequências da tutela das prestações sociais – incluindo as pensões – em face do direito fundamental à propriedade privada acabam por reconduzir-se, de forma mais ou menos direta, à avaliação da conformidade das medidas passíveis de afetar as posições jurídicas em causa com os princípios da proteção da confiança e, acima de tudo, da proporcionalidade, nomeadamente na sua vertente de proibição do excesso. 63. No quadro constitucional português, e ainda que se admita a existência de uma dimensão proprietária no direito dos pensionistas, a sua proteção no específico âmbito de tutela do artigo 62.º é duvidosa, tendo em conta que existe uma norma dedicada ao direito à segurança social, aí se incluindo o direito à pensão – artigo 63.º (recusando essa possibilidade, Miguel Nogueira de Brito, A justificação da propriedade privada numa democracia constitucional, Coimbra, 2007, p. 963, com fundamento em que isso conduziria a uma alteração do conceito constitucional de propriedade). Acresce que não existe, no nosso sistema de segurança social, uma relação direta entre a pensão auferida pelo beneficiário e o montante das quotizações que tenha deduzido durante a sua vida ativa (embora haja uma relação sinalagmática entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações – artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). Isso porque o sistema previdencial não assenta num sistema de capitalização individual, mas num sistema de repartição, pelo qual os atuais pensionistas auferem pensões que são financiadas pelas quotizações dos trabalhadores no ativo e pelas contribuições das respetivas entidades empregadoras (artigo 56.º da mesma Lei), de tal modo que não pode considerar-se que as pensões de reforma atualmente em pagamento correspondam ao retorno das próprias contribuições que o beneficiário tenha efetuado no passado. Regime que se torna extensivo à proteção social da função pública por via da convergência com o sistema de segurança social, que foi já implementado, na sequência do disposto no artigo 104.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 117/2006, de 20 de junho. A obtenção de mais forte tutela a partir do direito de propriedade, como direito ao montante da pensão fixado, encontraria fundamento se pudesse ser estabelecida a equiparação plena dos efeitos ablatórios da suspensão do pagamento de parte da pensão à expropriação por utilidade pública. Pois então estaríamos indiscutivelmente situa- dos no núcleo essencial do que é reconhecidamente uma dimensão do direito de propriedade de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
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