TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Apurando-se resultados líquidos negativos, o pagamento do benefício em causa agrava o prejuízo e compromete a viabilidade económica e financeira da empresa. A prazo, o seu pagamento torna-se não apenas insustentável, como põe em causa a própria subsistência da empresa, já que os resultados negativos transita- dos abatem ao capital próprio da empresa, descapitalizando-a e diminuindo o seu valor patrimonial líquido. Na medida em que os complementos de pensão se processam no âmbito interno da empresa e a garantia do seu pagamento depende das receitas correntes, existe um efetivo risco – que os beneficiários e as organi- zações representativas dos trabalhadores não podem desconhecer – de a empresa poder ficar sem condições financeiras para assegurar, de forma permanente e definitiva, o cumprimento dessas responsabilidades. Ces- sando o pressuposto de solvabilidade de que depende o pagamento dos complementos, deixa igualmente de ser legítima a expectativa referente à continuidade da sua atribuição. 60. No caso de empresas cujo capital seja participado, maioritariamente ou não, por entidades públicas – como as que são abrangidas pela previsão do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 –, há ainda que atender às especiais exigências postas pelo princípio da neutralidade competitiva dos poderes públicos. Isto vale, pelas razões anteriormente indicadas, sobretudo para as empresas públicas reclassificadas, mas atento o aludido risco de reclassificação, também não é irrelevante quanto às que (ainda) não sejam reclassificadas. A Constituição garante a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção [artigo 80.º, alínea b) ] e a liberdade de iniciativa e organização no quadro de uma economia mista [artigo 80.º, alínea c) ]. Por outro lado, incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral [artigo 81.º, alínea f ) ]. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, as três formas de iniciativa são concorrenciais nas áreas em que “coabitam”, não podendo o poder público tirar proveito da sua condição e dos seus poderes públicos para criar vantagens para as suas empresas ( Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 958). O princípio da concorrência não exclui as empresas públicas e a ordena- ção constitucional da economia garante a existência de um setor público mais ou menos extenso. Todavia, a ordem constitucional económica impede que as empresas que fazem parte do setor público empresarial sejam favorecidas pelo Estado relativamente às suas concorrentes de outros setores ( idem , p. 970). Portanto, o Estado-legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do setor público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atribuam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que atuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem suscetíveis de distorcer o funcionamento do mercado. Isso mesmo encontra-se consagrado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 (que, neste particular, não inovou substancialmente relativamente ao que dispunha o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 558/99, desde a sua redação originária): «1 – As empresas públicas desenvolvem a sua atividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qualquer empresa privada, e estão sujeitas às regras gerais da concorrência, nacionais e de direito da União Europeia. 2 – As relações estabelecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empresas públicas detidas ou participadas processa-se em termos que assegurem a total observância das regras da concorrên- cia, abstendo-se aquelas entidades de praticar, direta ou indiretamente, todo e qualquer ato que restrinja, falseie ou impeça a aplicação destas regras.» Por ser assim, as empresas públicas também estão submetidas à Lei da Concorrência, tal como as empresas participadas ou as demais empresas privadas, não lhes podendo ser atribuídos auxílios públicos indevidos (arti- gos 2.º, 4.º, n.º 1, e 65.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio; e também, quanto às empresas locais, o artigo 34.º
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