TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

143 acórdão n.º 413/14 bondade, deste ponto de vista, das medidas implementadas”, mas apenas verificar se as soluções nelas con- sagradas seriam “arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente” a categoria dos cidadãos por elas abrangidos. Depois de assim enquadrar o problema de constitucionalidade, o Tribunal reconheceu a existência de um fundamento legítimo para a diferenciação implicada na redução, em 3,5% a 10%, das remunerações base superiores a € 1500 aos trabalhadores do setor público, fazendo-o coincidir, por um lado, com a inexistência de “razões de evidência” suscetíveis de neutralizar a ideia segundo a qual, “pelo lado da despesa, só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata” para a redução do “peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental”, e, por outro, com a circunstância de, em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não se encontrar “em posição de igualdade com os restantes cidadãos”. Essas razões conduziram ao entendimento de que o “sacrifício adicional” transitoriamente exigido a essa categoria de pessoas não consubs- tanciava, naquele contexto de excecionalidade, “um tratamento injustificadamente desigual”. 26. Quer a questão relativa à caracterização do fundamento para a imposição aos trabalhadores do setor público de um tratamento diferenciado, quer a respeitante à validação da medida da desigualdade originada pela afetação das contrapartidas remuneratórias devidas no âmbito daquela relação foram ulteriormente debatidas no Acórdão n.º 353/12, que confrontou com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos as normas que, no contexto da Lei do Orçamento do Estado para 2012, intensificavam o nível de afetação da irredutibilidade salarial resultante da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, ao associar à redu- ção ali prevista, e já transposta para o ano de 2012 pelo artigo 20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, a suspensão total ou parcial do pagamento do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, para remunerações mensais base a partir de € 600. Recusando a possibilidade de reconhecer nos argumentos extraídos da superioridade média das retribui- ções auferidas pelos trabalhadores do Estado e outras entidades públicas e/ou da maior garantia de subsistên- cia do respetivo vínculo laboral − então invocados no Relatório do Orçamento do Estado para 2012 − um fundamento material e racional suficientemente fundado para excluir a arbitrariedade daquela diferenciação, o Tribunal considerou subsistir, como razão justificativa para o tratamento diferenciado dos que auferem remunerações e pensões do Orçamento do Estado, apenas “a eficácia das medidas adotadas na obtenção de um resultado de inegável e relevante interesse público”. Situando no âmbito relativo à pertinência orçamental daquelas retribuições e das medidas que as afeta- vam o fundamento material para a diferenciação introduzida na repartição dos encargos públicos, o Tribunal entendeu ainda defensável a asserção segundo a qual, “pela sua certeza e rapidez na produção de efeitos”, a opção tomada se revelava “particularmente eficaz”, “numa perspetiva de redução do défice a curto prazo”, mostrando-se desse modo “coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe[ria] dentro da mar- gem de livre conformação política do legislador”. Ao perspetivar o fundamento para a diferenciação a partir da natureza e especificidade da conjuntura subjacente e dos efeitos tidos em vista pelo legislador ordinário, o Tribunal concluiu, assim, pela admissi- bilidade de “alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia”, excluindo a possibilidade de, no “contexto económico e financeiro” então presente, ser conside- rada “injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos dirigida apenas aos primeiros”. O juízo positivo quanto à existência de um fundamento material para a opção de diferenciar não foi, todavia, estendido à dimensão em que aquela diferenciação surgia então concretizada. Na medida em que nenhum destes sacrifícios teria então “equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que aufer[iam] rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos seus montan- tes”, o Tribunal considerou que a “diferença de tratamento [era] de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada na prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não te[riam] uma valia suficiente para justificar a dimensão

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