TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, o Tribunal vem recusando a possibilidade de situar em terreno constitucionalmente neutro a problemática relativa à afetação das contrapartidas pecuniárias devidas no âmbito da relação de emprego público. Conforme se afirmou no Acórdão n.º 187/13, “uma vez fixado, por critérios de direito ordinário, o conteúdo do direito ao salário (sem precisa determinação constitucional), uma mudança legislativa que afete negativamente esse conteúdo tem que encontrar justificação bastante, à luz dos princípios constitucionais pertinentes, sob pena de inconstitucionalidade”. E isto porque a Lei Fundamental permanece “sensível às variações, para menos, do nível da concre- tização legislativa que possa conhecer o direito à retribuição, proporcionando um controlo, não quanto à redutibilidade, em si mesma considerada, mas quanto aos termos da sua efetivação – isto é, quanto às suas razões e medida”. Esse controlo – escreveu-se ainda – “atua por intervenção mediadora dos princípios da proteção da con- fiança, da igualdade e da proporcionalidade, que densificam a ideia de sujeição do poder público a princípios e regras jurídicas”, pressupondo “o esclarecimento das razões, necessariamente de interesse público, que conduziram o Estado a intervir unilateralmente naquele sentido no âmbito da relação de emprego público”. Será, portanto, através de parâmetros valorativos extraídos dos referidos princípios constitucionais, que condicionam a liberdade conformadora do legislador ordinário e limitam, em geral, as possibilidades de autorrevisibilidade legislativa que, à semelhança do que sucedeu no âmbito da fiscalização das reduções remuneratórias resultantes das Leis n. os  55-A/2010, 64-B/2011 e 66-B/2012, cumprirá apreciar a validade constitucional das soluções normativas agora expressas no artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013. É essa análise a que se procederá de seguida, começando por centrá-la no princípio da igualdade. Violação do princípio da igualdade 24. Conforme estavelmente resulta da jurisprudência do Tribunal e uma vez mais se afirmou no Acórdão n.º 187/13, «só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de trata- mento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (Acórdão n.º 47/10)». Em consonância com a fórmula em que pode assim sintetizar-se o princípio da igualdade, o Tribunal vem estruturando o problema de constitucionalidade suscitado pela confrontação com esse princípio das normas orçamentais que determinam a ablação parcial das contrapartidas remuneratórias devidas no âmbito da relação de emprego público, através da identificação de dois planos de análise, distintos mas interligados, respeitando o primeiro à averiguação da razão de ser da diferenciação produzida por tais medidas – isto é, à “existência de um fundamento para a própria opção de diferenciar” (Acórdão n.º 187/13) − e o segundo à avaliação da medida em que, considerada aquela razão, a diferenciação surge em concreto determinada. 25. No Acórdão n.º 396/11, o Tribunal configurou o problema de constitucionalidade, do ponto de vista da igualdade, a partir do “facto de os destinatários das medidas (…) serem apenas as pessoas que traba- lham para o Estado e demais pessoas coletivas públicas, ou para quaisquer das restantes entidades referidas no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2011, de 31 de dezembro”, ficando de fora “os trabalhadores com remunerações por prestação de atividade laboral subordinada nos setores privado e cooperativo, os trabalha- dores por conta própria, bem como todos quantos auferem rendimentos de outra proveniência”. Tendo por indiscutível que “com as medidas [então] em apreciação, a repartição dos sacrifícios impos- tos pela situação excecional de crise financeira não se faz de igual forma entre todos os cidadãos com igual capacidade contributiva”, mas por igualmente certo que a questão do “combate ao défice, pelo lado da receita (privilegiadamente fiscal), ou, antes, pelo lado da despesa (bem como a combinação adequada dos dois tipos de medidas e a seleção das que, de entre eles, merecem primazia) foi (e continua a ser) objeto de intenso debate político e económico”, o Tribunal considerou que não lhe cabia apreciar a maior ou menor

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