TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
125 acórdão n.º 413/14 56.º É deste modo cristalina a ausência de um critério de justiça na moldagem da medida questionada, a qual se centra em um universo dos cidadãos – os pensionistas – reclamando, dentro desse universo, aos pensionistas de sobrevivência com certos rendimentos a título de determinadas pensões, um esforço adicional, a bem de todos. 57.º Ora, o princípio da igualdade vincula o legislador tanto quando este reconhece direitos como quando impõe encargos. 58.º Por outro lado e sendo certo que a diferenciação ocorre em atenção aos efeitos substancialmente desiguais para grupos de pessoas em situação materialmente idêntica, é impertinente, em uma análise de conformidade constitucional sob o horizonte do princípio da igualdade, a circunstância de o legislador ter ou não querido ou sequer prefigurado a possibilidade de tratamento diferenciado, tal como este se revela pela exegese das normas questionadas. 59.º Na situação vertente, mesmo que seja aceite a legitimidade do fim em uma medida de introdução da condição de recursos nas pensões de sobrevivência, a delimitação do âmbito subjetivo da medida revela uma dife- renciação de tratamento que não assenta, por seu turno, em uma distinção objetiva de situações. 60.º Sem que se vislumbre fundamento material para a distinção, a medida revela-se outrossim desproporcio- nada à satisfação do seu objetivo, colocando sobre um universo bem delimitado e circunscrito de pensionistas de sobrevivência, com exclusão de outros pensionistas de sobrevivência, um encargo adicional, especialmente oneroso pelo desvalor manifestado em um patamar de justiça da medida. 61.º É assim indubitável uma carga especialmente coativa sobre aquele universo circunscrito de pensionistas de sobrevivência, a qual decorre da desigualdade substancial dos efeitos da medida legislativa em apreço para grupos de pessoas em situação materialmente idêntica. 62.º Esta quebra da justa medida nas soluções propugnadas ante a introdução de uma condição de recursos nas pensões de sobrevivência é tanto mais grave quanto se denota a ausência de anualidade da medida dirigida à sua redução, pois a mesma, sendo de execução imediata, apresenta-se como tendo sido prefigurada pelo legislador como permanente e definitiva. 63.º O legislador não observou, assim, um dos princípios constitucionais a que está vinculado, a medida legislativa questionada consubstanciando uma solução manifestamente injusta, que não salvaguarda o valor fun- damental da igualdade. 64.º Socorrendo-me uma vez mais do posicionamento do Tribunal Constitucional, ora tal como patente no Acórdão n.º 862/13, publicado no Diário da República , I Série, de 7 de janeiro de 2014, “apesar de um inequívoco reconhecimento de que o legislador possui liberdade para alterar as condições e requisitos de fruição e cálculo das pensões, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vários limites constitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princípio do Estado de Direito. Deste modo, as alterações que o legislador pretenda levar a cabo têm de se fundar em motivos justificados – designadamente a sustentabilidade financeira do sistema –, não podem afetar o mínimo social, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, e da proteção da confiança.” 65.º No caso vertente e pelos motivos expostos, as normas em causa são inconstitucionais, justamente, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. 66.º Consequencialmente, as demais normas contidas no mesmo artigo 117.º ficam prejudicadas e devem ser declaradas inconstitucionais na medida em que prossigam reduções estabelecidas pelos n. os 1, 5 e 6 do mesmo artigo.» 4. Por despacho do Presidente do Tribunal foi ordenada a incorporação de todos os processos e conferida prioridade à sua apreciação e decisão. Foram apensos por linha uma “Nota”, intitulada “Fundamentos sobre a constitucionalidade da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2014”, acompa- nhada por sete anexos, enviada pelo Governo. Elaborado o memorando a que alude o artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=