TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

121 acórdão n.º 413/14 16.º Efetivamente, pode ler-se no Relatório que acompanhou a Proposta de lei relativa ao OE2014 (in Diário da Assembleia da República , II Série-A, n.º 11, 2.º suplemento, de 15 de outubro de 2013; de agora em diante, Relatório do OE2014) ser «necessário prosseguir o ajustamento concedendo a prioridade ao lado da despesa (…). É precisamente neste contexto que se situa o ajustamento da medida de redução das remunerações de todos os trabalhadores das Administrações Públicas e do Setor Empresarial do Estado» (p. 31). 17.º A esta luz, afirmada inequivocamente do lado da despesa, não pode racionalmente compreender-se como adequada uma medida do legislador que, atingindo trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públi- cos e sem que esteja determinada a entrega nos cofres públicos dos montantes correspondentes às reduções remu- neratórias que atingem aqueles trabalhadores, se revela apta, em absoluto contraste com o seu afirmado desiderato, a gerar distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, detentores do capital remanescente, frustrando-se, na medida equivalente, o escopo de redução da despesa pública a que deve vir integralmente dirigido o esforço que o legislador também fez recair sobre este específico círculo de trabalhadores. 18.º Vale por dizer: a supressão parcial da remuneração destes trabalhadores não satisfaz integralmente fins públicos de alívio da despesa pública mas igualmente permite considerar verificadas vantagens diretas e quantifi- cáveis para entidades privadas. 19.º No incomprimível imperativo de afirmação de um direito materialmente justo, que a radicação do prin- cípio da proporcionalidade indubitavelmente condensa, apresenta-se assim como manifestamente irrazoável uma medida de ablação remuneratória que em sobrecarga dos referidos trabalhadores não serve in totum , como a razão necessariamente o impõe, o fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública, revelando-se em uma vantagem patrimonial para as entidades privadas cotitulares do capital social, no que pode ser concebido, verda- deiramente, como uma espécie de enriquecimento sem causa destas últimas, inaceitável em um Estado de Direito. 20.º Neste patamar de compreensão, ante a relação medida-objetivo em debate, não se antevê, conforme já referido, complexidade na avaliação da realidade que subjaz à opção legislativa em presença, sendo manifesta a radicação, no presente caso, de uma medida legislativa de contenção da despesa pública. 21.º Nesse sentido e na situação específica vertente, os efeitos da norma em causa extravasam o proclamado objetivo, sendo, desse modo, contraditórios com o escopo definido, em uma solução normativa que gera tanto mais perplexidade quanto é certo, neste nosso tempo, o esforço que impende ante a obrigação de consolidação orçamental, sendo incompreensível que uma medida consignada a esse efeito não prossiga integralmente o seu fim. 22.º Para tanto, repete-se, em uma suposição de legitimidade a montante, que aqui não compete debater, da redução remuneratória per se, bastaria a conformação em termos normativamente adequados que salvaguardasse a entrega, na sua integralidade, dos montantes correspondentes à diminuição salarial sofrida pelos trabalhadores em causa. 23.º Por outro lado, não se perde de vista que, como é também destacado pelo Tribunal Constitucional (vejam- -se os Acórdãos n. os 396/11, 353/12 e 187/13, publicados no Diário da República , respetivamente, na II Série, de 17 de outubro de 2011, e na I série, de 20 de julho de 2012 e de 22 de abril de 2013), o fator determinante na aplicação da medida de redução remuneratória – justificada, em um contexto de excecionalidade de gestão finan- ceira dos recursos públicos, por imperativo do interesse público de garantir a sustentabilidade das finanças públicas mediante a redução da despesa pública – é a circunstância de estarem em causa remunerações pagas por dinheiros públicos a trabalhadores que se inscrevem em todas as áreas da Administração Pública. 24.º Adensando este posicionamento da jurisprudência constitucional, embora não tenha sido analisada espe- cificamente a conformidade constitucional da redução remuneratória quando aplicada também a categorias espe- cíficas de trabalhadores que não se inscrevem na Administração Pública no seu conceito mais estrito, o Tribunal Constitucional, nos fundamentos que aduziu logo no Acórdão n.º 396/11, considerou em bloco a categoria dos que recebem por verbas públicas. 25.º Este entendimento densifica a compreensão de que nos situamos, ante a solução normativa questionada, em uma lógica de estratégia de consolidação orçamental, não sendo racionalmente admissível que uma medida,

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