TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
117 acórdão n.º 413/14 22. Entendem pois os requerentes, em conclusão, que o artigo 33.º da LOE 2014 restringe o direito à retri- buição do trabalho [artigo 59.º, n.º 1, a) da Constituição] em violação do princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrado no artigo 13.º Da inconstitucionalidade do artigo 75.º 23. O artigo 75.º da LOE 2014 impõe que nas empresas do setor público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados apenas seja permitido o pagamento de com- plementos às pensões atribuídas pelo Sistema Previdencial da Segurança Social, pela CGA ou por outro sistema de proteção social, nos casos em que aqueles complementos sejam integralmente financiados pelas contribuições ou quotizações dos trabalhadores, através de fundos especiais ou outros regimes complementares. Tal disposição aplica-se (nos termos do n.º 2 desse artigo) ao pagamento de complementos de pensão aos trabalhadores no ativo e aos antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas. 25. O princípio da proteção da confiança como exigência indeclinável do princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição tem sido densificado pela jurisprudência do Tribunal Cons- titucional em termos que não deixam dúvidas quanto à inconstitucionalidade do artigo 75.º da LOE 2014. 26. O Acórdão n.º 287/90, citado em diversos acórdãos posteriores ( v. g. Acórdãos n.º 396/11 e n.º 862/13), clarifica os dois critérios conformadores da inadmissibilidade de medidas legítimas à luz de tal princípio: a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não possam contar, e ainda quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. 27. E mais adiante, citando jurisprudência firmada em diversos Acórdãos, o Acórdão n.º 396/11 conclui que para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança necessário em primeiro lugar, que o Estado (mor- mente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. 28. Vejamos então: os beneficiários dos complementos de pensão que serão afetados pela aplicação do artigo 75.º da LOE 2014 são trabalhadores do Metropolitano de Lisboa e da Carris que, ao abrigo do regime legal vigente, negociaram a antecipação das respetivas reformas, com penalizações, tendo como contrapartida os com- plementos de reforma atribuídos pelas empresas aos respetivos pensionistas. 29. Como é evidente, nenhum trabalhador aceitaria antecipar a sua reforma se tivesse a mínima suspeita de que no seu horizonte de vida alguma medida legislativa pudesse vir a alterar negativamente o quadro legal em que fez assentar as suas expectativas. 30. As expectativas de continuidade eram absolutas; eram legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; e obviamente, todos os trabalhadores nessa situação traçaram os seus planos de vida baseados na convicção da con- tinuidade do comportamento estadual. 31. Resta a questão de saber se é invocável algum interesse público que possa ser considerado prevalecente para afastar neste caso a tutela do proteção da confiança. Não se vislumbra qual possa ser. 32. O número de trabalhadores afetados pelas medidas em apreço não permite que se considere que está aqui em causa o cumprimento dos acordos internacionais que têm servido de justificação às medidas penalizadoras dos rendimentos do trabalho e das pensões, nem assumem qualquer dimensão digna de nota quanto à sustentabilidade da segurança social. Não se trata manifestamente de uma medida idónea, indispensável, ou proporcional. 33. E deve ter-se por uma medida arbitrária e violadora do princípio da igualdade, na medida em que visa penalizar os trabalhadores de empresas públicas de transportes pelos prejuízos de exploração dessas empresas, quando esses prejuízos resultam claramente de uma opção estadual a que os trabalhadores são alheios.
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