TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL públicos com parcerias público-privadas são agravados em 800 milhões de euros e se preveja uma revisão do regime legal do IRC por forma a desagravar significativamente a carga fiscal sobre as grandes empresas com a consequente perda de receita pública. 14. A questão fundamental que se coloca porém relativamente aos cortes salariais previstos na LOE 2014 é a de saber se não estão largamente ultrapassados os limites do sacrifício a que aludiu o Acórdão n.º 396/11 e se não se verifica situação idêntica à que justificou a declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal de 2013. 15. Na verdade, os cidadãos que auferem remunerações públicas têm vindo a ser duramente lesados nas suas condições de vida pela sucessiva imposição cumulativa de medidas de austeridade que começam, na perceção, não apenas dos próprios, mas da própria opinião pública, a assumir um caráter persecutório que parece não conhecer limites: cortes salariais em 2011, 2012 e 2013; cortes de subsídios de férias e de Natal em 2012; aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, com a redução de escalões, aumento de taxas, supressão de escalões, elimi- nação de deduções e imposição de sobretaxa de 3,5% em sede de IRS; aumento do IVA e do IMI; congelamento de salários desde há muitos anos; proibição de promoções e de progressões, redução de ajudas de custo e de remune- ração por trabalho suplementar; aumento do horário de trabalho para 40 horas semanais; aumento dos descontos para a ADSE, cujo agravamento já foi inclusivamente anunciado. 16. Quando, para além destas medidas, se alargam os cortes salariais de modo a abranger trabalhadores que auferem salários mensais ilíquidos no montante de 675 euros, estão ultrapassados todos os limites constitucional- mente admissíveis. Estes cortes incidem sobre rendimentos de tal modo exíguos que violam claramente o princípio constitucional da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais. 17. O Acórdão n.º 353/12, referindo-se aos pensionistas e aos trabalhadores da função pública com rendi- mentos ilíquidos situados entre os 600 e os 1100 euros mensais, considerou estar perante um universo em que a exiguidade dos rendimentos já impõe tais provações que a exigência de um sacrifício adicional, como seja a sua redução, tem um peso excessivamente gravoso. 18. Com efeito, não concebem os requerentes que se possa entender que cortar remunerações a trabalhadores que auferem vencimentos líquidos inferiores a 600 euros mensais não configure uma restrição excessiva do direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição à retribuição do trabalho de forma a garantir uma existência condigna. 19. É que, como afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 396/11, se as circunstâncias de verdadeira excecionalidade que levaram Portugal a solicitar ajuda financeira internacional não se encontra[va]m superadas e por isso, se justifica[v]am, neste contexto das medidas de consolidação orçamental introduzidas, não se ignora também que estas mesmas medidas não podem deixar de ser aferidas à luz dos princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança que, em qualquer Estado de Direito, sustentam as relações entre o Estado e os cidadãos. 20. Acresce ainda que só por mero artifício se pode considerar em 2014 que tais medidas têm caráter tem- porário. Mesmo admitindo que a plurianualidade das medidas inscritas na LOE não lhes confere a natureza de cavaleiros orçamentais, dado que a sua renovação fica sempre dependente da LOE para cada ano subsequente, há que aferir se as normas em causa, na medida em que ferem direitos fundamentais, são excecionais e transitórias ou se pretendem assumir um caráter definitivo. Esta questão é decisiva, na medida em que dela pode depender o juízo quanto à conformidade constitucional dessas normas. 21. O juízo de não inconstitucionalidade dos cortes salariais assentava na sua temporalidade com parâme- tros bem definidos. Tratava-se de atingir, por via dessas medidas, até 2013, os objetivos de redução do défice assumidos no PAEF. Acontece que na LOE 2014 desapareceu qualquer referência a esses limites e parâmetros. O ano de 2013 já passou sem que os supostos objetivos tenham sido assumidos; o PAEF termina em maio de 2014 sem que os cortes salariais sejam limitados em função da cessação desse Programa. Não existe pois na LOE 2014 nenhum elemento juridicamente vinculante do caráter transitório dos cortes efetuados, o que obriga, no entender dos requerentes, a rever o juízo de constitucionalidade que teve lugar em anos anteriores quanto à sua natureza transitória.
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