TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

115 acórdão n.º 413/14 4. Embora as reduções salariais dos funcionários públicos tenham sido aplicadas pela primeira vez em 2011, ou seja, ainda antes da assinatura do chamado Programa de Assistência Económica e Financeira, foi este documento que passou a servir de referencial justificativo das medidas de austeridade em que se incluem os cortes de salários e de pensões pagos com dinheiros públicos, e que serviu de fundamento ao caráter transitório e irrepetível dessas medidas. Sucede que a vigência desse memorando termina em maio de 2014, mas não se vislumbra qualquer sinal de que termine a aplicação das medidas impostas em seu nome. 5. As decisões do Tribunal Constitucional que concluíram pela não inconstitucionalidade dos cortes salariais impostos pelos Orçamentos do Estado anteriores assentaram em pressupostos muito concretos que já não se veri- ficam em 2014. 6. Ao analisar a LOE 2011, o Acórdão n.º 396/11, assentou o seu juízo no pressuposto de que a redução então imposta seria uma medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental, dando como adquirido que só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata para garantir resultados a curto prazo na consolidação orçamental. Por não haver razões de evidência em sentido contrário, o Tribunal considerou que a medida prevista para 2011 se incluía ainda dentro dos limites do sacrifício que a transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardavam. 7. Como é sabido porém, chamado a decidir sobre idênticos cortes salariais contidos no Orçamento do Estado para 2012, conjugados com a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos cidadãos que auferem remunerações públicas, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 353/12, considerou que a conjugação entre o conge- lamento de salários e pensões do setor público vigente desde 2010, os cortes salariais vigentes desde 2011 e o corte dos subsídios de férias e de Natal de 2012 aplicáveis aos trabalhadores e pensionistas do setor público, ultrapassa- vam de forma evidente os limites do sacrifício a que aludia o Acórdão n.º 396/11. 8. Assim, o Tribunal declarou inconstitucional o corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários e pensionistas do setor público, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de igualdade proporcional, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 9. Já quanto aos cortes salariais, apesar da proteção do direito dos trabalhadores à remuneração, do cumpri- mento pontual dos contratos e da proporcionalidade na imposição de sacrifícios aos cidadãos por parte do Estado não serem valores alheios à ordem constitucional portuguesa, foi entendido que a restrição desses direitos funda- mentais ainda se continha dentro dos limites impostos pelo respeito do princípio da proporcionalidade. 10. Porém, os cortes salariais impostos na LOE 2014 obrigam a um novo juízo quanto à sua idoneidade ou adequação para atingir os fins visados, quanto à sua exigibilidade, necessidade ou indispensabilidade, e quanto à sua proporcionalidade em sentido estrito, isto é, quanto a saber se tais medidas se incluem na justa medida ou se devem considerar-se excessivas. 11. Importará salientar desde logo que a dimensão do sacrifício imposto pelos cortes salariais, que pode ascen- der a 12% dos vencimentos, não é menor que a que foi imposta com o corte de um dos subsídios de férias ou de Natal declarado inconstitucional pelo Acórdão n.º 353/12, sendo certo que um desses subsídios representa uma redução de 7% do vencimento anual. 12. Quanto à questão da idoneidade ou adequação, é hoje manifesto que os cortes salariais não foram um meio idóneo para a redução imediata do défice das contas públicas. Na versão inicial do PAEF, assumiu-se como objetivo que o défice das contas públicas deveria ser de 4,5% no final de 2012, de 3,0% em 2013 e de 2,3% em 2014. Acontece que, não obstante os cortes salariais efetuados (a par de outras medidas assentes nos cortes dos rendimentos do trabalho e das pensões), estes objetivos foram sucessivamente revistos. O objetivo de um défice de 3% para 2013 foi revisto primeiro para 4,5% e depois para 5,5%. O objetivo de 2,3% para 2014 passou para 2,5% e acabou por ser fixado em 4% na LOE 2014. 13. Para além dos cortes salariais não se terem revelado um meio idóneo para a redução do défice das contas públicas, já não é possível invocar a sua indispensabilidade para esse efeito, quando se verificam na LOE 2014 medidas em sentido contrário a esse objetivo. Não é aceitável que os cortes salariais sejam considerados como uma medida indispensável para a redução do défice das contas públicas quando na mesma LOE 2014 os encargos

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