TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL c) Deve começar por se assinalar que se trata de uma conditio impossibilis, dada a fáctica inexistência de tais fundos em diversos casos, notória e documentável, acoplada, no tocante à delimitação do âmbito de aplicação temporal, por outra condição (n.º 6 do artigo 75.º) cuja verificação é impossível face à esperança de vida dos trabalhadores afetados. d) O alcance das normas é, pura e simplesmente, a ablação unilateral pelo Estado de montantes negociados e devidos. e) Aquelas normas surgem na sequência de negociação de reformas antecipadas em empresas, com a respetiva penalização, sendo imediatamente goradas as expectativas de quem se conformou com o que já era uma altera- ção das suas expectativas: agora, já reformados antecipadamente, os trabalhadores são surpreendidos por uma norma inscrita da LOE 2014 que impede as empresas em causa de cumprirem os compromissos assumidos para com eles. f ) Por exemplo, nos últimos anos o Metropolitano de Lisboa incentivou (certamente seguindo orientações da tutela) os seus trabalhadores com mais de 55 anos a solicitarem a reforma antecipada, assegurando o paga- mento do complemento de reforma previsto no Acordo de Empresa, o que levou, só nos anos de 2011 e 2012, à saída, por reforma antecipada, de 96 trabalhadores, que, sem essa garantia, certamente não se teriam refor- mado, aguardando chegar até ao final da sua carreira contributiva; g) As normas do artigo 75.º da LOE 2014 contém soluções legislativas manifestamente assistemáticas e desen- quadradas de qualquer esforço global de sustentabilidade do sistema público de proteção social e de repartição inter e intrageracional do ónus dessa sustentabilidade, merecendo por isso o mesmo destino que as normas que estiveram em apreciação no Acórdão n.º 862/13 desse Tribunal, isto é, a declaração de inconstitucionalidade por violação do princípio da proteção da confiança. h) Mas, para além disso, aquelas normas dos artigos 75.º da LOE 2014 violam também o princípio da igualdade. Visivelmente, o legislador isolou categorias ou classes específicas de pensionistas, com apenas algumas dezenas ou poucas centenas de pessoas e introduziu diferenciações que nem sequer parecem ter um fundamento racio- nal, desse modo violando a versão mais elementar do princípio geral da igualdade como proibição do arbítrio. i) Embora haja várias empresas do setor público empresarial com complementos de pensão atribuídos aos seus reformados e pensionistas, a condição estipulada naquele preceito da apresentação de resultados líquidos nega- tivos restringe a aplicação desta lei ao Metropolitano de Lisboa e à Carris. j) Designadamente, a norma prevista no n.º 3 do artigo 75.º da LOE 2014 tem consequências demolidoras para os trabalhadores já reformados e pensionistas do Metropolitano de Lisboa e Carris, conduzindo, pelo menos ao nível do Metropolitano de Lisboa, a cortes no valor total bruto da pensão recebida que pode ultrapassar os 60%. k) Ora, é inequívoco que é o Estado que define os objetivos das empresas do setor público empresarial e que condiciona/aprova a política tarifária, no entendimento, partilhado por todos os governos, de que as tarifas praticadas em redes urbanas de grandes cidades têm sempre uma componente social que não permite cobrir os custos de produção do transporte. l) Por conseguinte, a existência de resultados líquidos negativos não é imputável aos trabalhadores ou aos ex- -trabalhadores, que nada poderiam fazer para que eles fossem ou deixassem de ser negativos. Nesse contexto, escolher como “razão” ou critério da diferenciação entre grupos de pensionistas a circunstância da existência ou não de resultados líquidos negativos da respetiva empresa torna a medida completamente arbitrária e remete-a para o domínio da irracionalidade. m) As normas do artigo 75.º da LOE 2014 violam também o princípio da proporcionalidade. Desde logo porque, conforme se alegou a propósito do artigo 33.º, o próprio legislador, pelos seus comportamentos noutras zonas da política orçamental, mostra que existe margem para medidas alternativas menos drásticas para estas categorias específicas de beneficiários da proteção social. Consequentemente, há violação do segmento da necessidade. n) E há também violação do segmento da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que o sacrifício imposto, particularmente quando analisado pelo ângulo individual de cada uma das pessoas atingidas, é de tal forma intenso que não é justificado pela obtenção de ganhos de consolidação orçamental manifestamente escassos. (…)
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